outros / 24 de abril de 2012

México: publicidade infantil, ética e lucro

 

por Sueli Sueishi

 

As semelhanças entre Brasil e México são grandes.  No México,  a publicidade também é autorregulamentada, existe um debate se devem ou não determinar regras mais claras e rígidas em relação à publicidade infantil e entidades brigam em defesa dos interesses do setor e da sociedade. Assim como o Brasil, o México também optou por seguir um caminho contrário ao dos países europeus que agem dentro de um conceito mais ético e não predatório que visa proteger a criança e, consequentemente, a família e a sociedade. A autorregulamentação mexicana é feita pelo CONAR (Consejo de Autorregulatión y Ética Publicitaria), que  foi criado em 1997 por anunciantes, agências de publicidade , associações e meios de comunicação com o objetivo de autorregulamentar a propaganda de acordo com o código de ética publicitária.

Mas de acordo com a COFEPRIS (Comisión Federal para la Protección contra Riesgos Sanitarios), 50% das empresas do setor alimentício  não respeitam o acordo de autorregulamentação que assinaram. O número aumenta para 70% quando se trata de empresas que não concordaram com a autorregulamentação. Tanta irresponsabilidade, lógico, tem seu preço e quem paga são os consumidores, no caso, crianças. Há 10 anos, diversas pesquisas têm apontado para o aumento do número de crianças obesas no México.

O culpado? Propaganda de “comida chatarra” (junk food) destinada ao público infantil. Segundo a organização El Poder del Consumidor (EPC), um tipo de Alana mexicano, o México ficou em primeiro lugar entre os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvilmento Econômico como a nação que mais veicula anúncios de junk food para o público infantil. Os canais mexicanos transmitem, por hora, 11,5 anúncios de junk food durante a programação infantil, totalizando 12 mil anúncios no período de um ano. Pasmem! O México ganha dos Estados Unidos, país do consumo, que transmite 11 anúncios/hora nos comerciais de programas infantis. E mais, três empresas são responsáveis por 58% dos anúncios de TV dirigidos ao público infantil no México: Kellogs e Nestlé – com cereais que contém 85% mais açúcar e 65% mais sódio que os fabricados para os adultos; e Bimbo, fabricante de pães, doces e salgadinhos.  Mais detalhes aqui.

É óbvio que essa mudança radical nos hábitos alimentares de uma sociedade, formada praticamente por mestiços indígenas, cuja alimentação é baseada em milho (tortillas), verduras, legumes e frutas, causou um rebuliço no México, levando inclusive a COFEPRIS a desenvolver um projeto que exigisse a revisão da regulamentação da publicidade infantil no país. Discutiram até a possibilidade de proibir a aparição de celebridades (artistas e esportistas) nos anúncios de produtos alimentícios destinados ao público infantil, já que foi comprovado que esse era um forte apelo junto às crianças.  O projeto também buscava validar algumas restrições comerciais e reservar 30% dos anúncios de alimentos e bebidas não alcoólicas para a promoção da Saúde, Higiene e Alimentação Equilibrada.  Mas em janeiro deste ano, assim do nada, a COFEPRIS anunciou o cancelamento do projeto com a justificativa de que era apenas um “estudo científico” e que , posteriomente, seria analisado pelo conselho jurídico da Presidência.  Lobby das empresas? Uma rápida olhada na lista das empresas que fazem parte do CONAR mexicano para entender o porquê da corda se romper justamente do lado de cá, dos cidadãos.

Para aprender mais sobre a relação entre obesidade e publicidade infantil, vale a pena ler esta  pesquisa, conduzida pela Universidade Autônoma Metropolitana Xochimilco, que traz dados relevantes sobre a influência da publicida infantil no hábito alimentar das crianças mexicanas e reforça como algumas estratégias adotadas pelas agências, como venda-casada e “mensagens subliminares” –  que associam o produto a emoções positivas – tem um impacto determinante na venda dos produtos. Os resultados também mostram que o número de anúncios veiculados durante a programação infantil foi maior do que o número veiculado na programação de audiência geral (25,8% contra 15,4%), além de comprovar que os alimentos anunciados para o público infantil são mais calóricos, gordurosos que os anunciados para o público adulto.

“La Coca-Colización de México”

No México ainda existem 65 povos indígenas que preservam suas tradições, línguas, dialetos e cultura. A população indígena está distribuída especialmente na Península de Yucatán e Sierra Madre del Sur, e zonas mais remotas como Sierra Madre Oriental e Sierra Madre Ocidental.  Em 2010, uma pesquisa realizada por um Grupo de Estudos Ambientais e a OXFAM México, destacou a presença de junk food nos hábitos alimentares de crianças indígenas e de regiões rurais, ao mesmo tempo em que registrou aumento de 60% do consumo de refrigerante e queda de 30% no consumo de frutas e verduras.

Um caso extremo, envolvendo publicidade de junk food, foi exposto pelo EPC e mostra na região de Chiapas um anúncio de boas-vindas na forma de uma garrafa de refrigerantes, com publicidade no dialeto indígena.  Outra estratégia adotada pelas empresas considera, inclusive, o baixo poder aquisitivo das crianças indígenas que podem comprar o refrigerante por um preço 35% mais baixo que o comercializado nas zonas urbanas.  Você pode ler mais aqui e aqui.

Vale ressaltar que ao consumir um refrigerante, dependendo do tamanho da garrafa, uma criança ingere de quatro a cinco vezes mais da quantidade ideal do consumo diário de açúcar. Isso impacta não apenas na questão da obesidade infantil, mas no desenvolvimento de doenças como diabetes.

No longo prazo, esse processo que começou com a não regulamentação de um anúncio acaba invadindo outras esferas que envolvem a dinâmica familiar, os hábitos de consumo e mudanças de valores de toda uma sociedade e no detrimento da saúde e do bem-estar  da população que o governo, e não as empresas e agências que hoje lucram, precisará arcar no futuro.

(*) Sueli Sueishi é co-autora do blog Desabafo de Mãe, colaboradora do Infância Livre de Consumismo e membro do Grupo Cria.

 


Tags:  autorregulamentação México publicidade infantil

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Mariana Sá




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