publicidade de alimentos / 14 de maio de 2013

Seus problemas acabaram: cozinha nunca mais!

Texto de Mariana Sá*

Primeiro vamos assistir juntos ao comercial da nova linha de refeições para crianças da Sadia:

Ao ver esta linda obra da mais criativa publicidade brasileira, e sabendo que ele está sendo veiculado em programas infantis, você, dona daquela maternidade crítica, pensa que tem algo de errado. Na sua opinião é uma peça publicitária que se aproveita – e muito – da deficiência de julgamento e experiência da criança, que é algo difícil de provar. Pensa mais e conclui que a belezura deve estar violando algumas regras do Código de Autorregulamentação publicitária.

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O que esta linha de produtos promete entregar na nossa casa? Alimentação saudável para crianças com praticidade.

Alimentação Saudável: o filme publicitário vende um alimento corretamente balanceado para crianças quando entrega aos “minichefs” o pedido da mãe: “pratos nutritivos pras crianças”.

Praticidade: fica claro que vendem quando o locutor diz que a bagunça será feita na cozinha da Sadia e não na minha.

A praticidade eu tenho certeza que o produto entrega: realmente nada mais prático do que comprar, enfiar no freezer, descongelar e servir. Se quiser mais praticidade, sirva na embalagem e nem lave louça. Mas a parte da alimentação saudável tenho sérias dúvidas.

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Você não é nutricionista, nem nutróloga, tampouco engenheira de alimentos, mas possui conhecimentos básicos que lhe permitem ler um rótulo e julgar se é ou não adequado aos seus filhos. Daí resolve buscar mais informações.

Pensa: é congelado, pode não ter conservante, mas vou checar mesmo assim. Você corre para a internet para ver a lista de ingredientes, verificando a quantidade de conservantes… Faz a busca, encontra os produtos no site da Sadia, mas não encontra nenhuma lista de ingredientes. “Vou ter que ir no mercado fotografar estes rótulos!”

Não encontra a lista de ingredientes, mas encontra a linha completa com seus nomes fofos e suas embalagens com os tais dos “minichefs” estampados; “forte apelo infantil”, pensa.

E encontra também as tabelas nutricionais de cada um dos quatro pratos prontos da linha no site da Sadia, que é onde printei todas as tabelas a seguir.

Escondidinho de Frango e Vegetais

 

Parafuso colorido

 

Macarrão com Bolinha

 

Risotinho

Olhando tabela por tabela, item por item, você começa a ter um ataque de pelanca: repara nas grandes quantidades de sódio e que todas as refeições possuem colesterol. E você jurava ter ouvido no comercial que as refeições não têm gordura e colesterol. Não é possível que tenham mentido assim. E volta para a internet para ver o vídeo com mais cuidado.

A locução é clara, você que ouviu errado, a culpa é sua: “Refeições nutritivas com pouca gordura e colesterol.” Também, com tanto vegetal, quem vai conseguir ouvir o pouca?

Sério, sobre o sódio e as necessidades diárias das crianças: cada porção oferece de 24 a 27% das necessidades diária de sódio, isso com base numa dieta de 2.000 calorias. Se pensarmos que uma criança come 1.000 calorias, temos 48 a 54% das necessidades diárias de sal consumidas em apenas uma refeição. Só eu que tive ataque de pelanca com esta informação?

Sobre o colesterol: dois produtos possuem de 8 a 12% das necessidades diárias de um adulto. Wow! E os outros dois possuem 1 a 2%. Ok!

Olhar rótulos e ouvir com cuidado é coisa que pouca gente faz!

pratosaudavel_final_1
Fonte: Revisa Época – http://glo.bo/10aOAH7

 

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A última locução é a cereja do bolo, afinal comida nutritiva nunca foi uma delícia e agora é, graças aos minichefs… técnica de colocar um retrovisor, você não diz que não era, mas diz que agora é, que ficou, ou seja, não era antes!

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Se você acha que meu ataque de pelanca é exagerado, pense nesta sequência de afirmações se repetindo no juízo de seu filhos até virarem verdade, até seu filho acreditar que a única comida deliciosa é a feita pelos minichefs. Na minha opinião este tipo de publicidade é um desserviço à saúde pública, à infância e à maternidade!

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Agora vamos analisar o texto do filme:

Com uma linda cozinha montada ao fundo, mãe e filha sentadas na mesa. Mãe ao telefone – as duas sorrindo:

– Será que vocês não podiam fazer pratos nutritivos pras crianças com…?

Corta para aquele simpático personagem, o Peru da Sadia, ao telefone, bloco em punho, anotando o pedido da mãe, quando é soterrado por toda sorte de vegetais coloridos, em animação gráfica.

Entra trilha sonora e, num estalo, criaturas animadas e coloridas magicamente aparecem na tela, enquanto uma voz masculina e engraçada interrompe a mãe:

– Isso é um trabalho para os minichefs!

Agora conseguimos ver uma fantástica linha de produção, cheia de vegetais:

– Os mini cozinheiros que deixam tudo gostoso rapidinho e sem fazer bagunça na cozinha!

Um minichef voa atrapalhadamente. A voz continua:

– Bom, não a sua!Close nos pratos coloridos e fumegantes:

– Refeições nutritivas com pouca gordura e colesterol.

Um prato chega na mesa da cozinha e mãe e filha estão de volta à cena sorrindo:

– Huuuum, gostei!

Locutor:

– Sadia Minichefs, comida nutritiva ficou uma delícia.

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Em tempo: só eu acho bizarro congelar macarrão? Porque dois dos quatro pratos são macarrão! Aquela comida que até quem nunca entrou numa cozinha é capaz de fazer e que a maioria das crianças amam de qualquer jeito: basta um azeite de oliva e voilá, nasce um chef, um bigchef!

(*) Mariana Sá é publicitária e mestra em políticas públicas. É mãe de dois e escreve no blog Viciados em colo. Co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo, está engajada – junto com o marido – num processo contínuo de mudanças na alimentação da família.

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REFERÊNCIAS NORMATIVAS CITADAS:

(1) Código de Defesa e Proteção do Consumidor

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.

SEÇÃO III
Da Publicidade
(…)
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
(grifos meus) (…) Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

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(2) Código de Autorregulamentação Publicitária – 

 
Artigo 37 – Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança.

E mais: (…) II – Quando os produtos forem destinados ao consumo por crianças e adolescentes seus anúncios deverão: (…) respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade do público-alvo; dar atenção especial às características psicológicas do público-alvo, presumida sua menor capacidade de discernimento; (…)

Nota: Nesta Seção adotaram-se os parâmetros definidos no art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90): “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” 

Anexo H: Alimentos, bebidas, sucos e bebidas assemelhadas

2. Quando o produto for destinado à criança, sua publicidade deverá, ainda, abster-se de qualquer estímulo imperativo de compra ou consumo, especialmente se apresentado por autoridade familiar, escolar, médica, esportiva, cultural ou pública, bem como por personagens que os interpretem, salvo em campanhas educativas, de cunho institucional, que promovam hábitos alimentares saudáveis. (grifos meus)

5. Na publicidade dos produtos submetidos a este Anexo adotar-se-á interpretação a mais restritiva quando: – for apregoado o atributo “produto natural”;
– produto for destinado ao consumo por crianças (grifos meus)

Tags:  #comidadeverdade alimentação infantil alimentação saudável comida de verdade publicidade de alimentos

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Mariana Sá




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