outros / 18 de junho de 2013

Marketing nas escolas não é brincadeira

Texto de Anne Rammi*

Há alguns dias li um texto que tratava da publicidade em escolas. Me pus a divagar se a sociedade brasileira está alerta para esse tipo de prática.

Eu passei por muitas escolas durante a minha vida e tenho até hoje algum contato com o universo e entendo que vivenciei diversas inserções do mundo publicitário corporativo dentro do ambiente escolar. Indiscriminadas, seria a palavra, muito embora pouca gente perceba.

Para tornar este texto rápido e didático, fiz aqui uma lista de todas as situações que já presenciei. Todas acusam a presença de iniciativas comerciais desreguladas dentro da escola das crianças, de maior e menor gravidade, vejam vocês:

– Distribuição de brindes: já vi distribuição de brindes para as crianças, desde brinquedos e amostras grátis de leite fermentado a coisas para as mães, como cremes e xampus. Vão na agenda, vão na mala, são oferecidos para as crianças. É publicidade na escola, deveria ser proibido e pronto.

– Ações de publicidade dentro de eventos: uma vez uma marca de câmeras disponibilizou para uma escola que eu frequentava diversos aparelhos para que os pais filmassem os filhos durante uma festa, um test drive. Igualmente, marketing utilizando o universo escolar para fidelizar clientes.

– Ações pseudo-educativas: equipes de recreação financiadas por uma rede de protetores solares fizeram uma semana educativa sobre os perigos da exposição ao sol, com direito a cartilha de atividades, jogos e, claro, amostra do produto em várias escolas que eu conheço. Eu ganhei as cartilhas de presente de uma amiga professora, que achou que meus filhos gostariam dos desenhos adivinha de quem? Turma da Mônica. Não importa se tem um personagem querido, é ação de marketing dentro da escola.

– Ações pseudo-recreativas: peças de teatro vinculadas a um famoso laboratório de exames de São Paulo circulavam com seus carismáticos personagens infantis por muitas escolas particulares da Zona Sul, e enquanto encantavam as crianças colocavam seus panfletos promocionais nas mochilas. Ao escolher o laboratório onde levaria os filhos para fazer exames, qual mãe não agradaria o pequeno com a presença dos bichinhos que a escola apresentou para ele?

– Financiamento de eventos: em troca de subsídios para algumas festas, escolas aceitam por exemplo, substituir todas as bandeirinhas da festa junina pela logo marca de determinado distribuidor de milho. Não importa se ajudou a escola, é publicidade. Se fosse na escola do meu filho, eu preferia levar o milho eu mesma do que ter as simpáticas bandeirolas coloridas substituídas por aberrações de plástico contaminados com marca.

– Peer-to-Peer: parece uma lenda urbana, mas não é. Grandes corporações, em especial de brinquedos, atuam dentro das escolas de elite, escolhendo as crianças chave (ou seja, aquelas que ditam moda) com o aval e orientação dos professores, orientadores e direção para serem presenteados com determinados brinquedos antes do lançamento, com o objetivo de que disseminem o culto ao brinquedo pelos seus colegas. As mães acham que saíram na vantagem porque o filho levou um brinde para casa. Na verdade ele está sendo usado.

– Livros da Disney na Biblioteca: pode parecer inofensivo, mas a Disney é uma marca comercial, focada em ganhar dinheiro através da venda e licenciamento de seus produtos, desde filmes à mochila que a maioria de nossas crianças leva à escola. Escola blindada para publicidade não aceita conteúdos comerciais PRINCIPALMENTE na esfera didática.

– Músicas da Galinha Pintadinha no Toca CD: é a mesma lógica. O conteúdo educacional – seja um livro, uma música – deveria ser livre de iniciativas comerciais, né? Ou o que há de proveitoso, educacionalmente falando, em assistir o Patati Patatá na escola? A não ser, é claro, para quem vende os produtos do Patati Patatá.

– Somente um revendedor de uniforme: essa é aquela hora em que as pessoas me chamam de radical. Mas tornar o uso do uniforme obrigatório e vincular sua compra a somente um fornecedor nada mais é do que venda casada. Se o uniforme é obrigatório, no mínimo deve haver possibilidade de concorrência, participação da comunidade na escolha dos fornecedores e, acima de tudo, incentivo irrestrito das escolas às trocas desses itens ao fim do ano letivo, bem como outros materiais não perecíveis, como livros didáticos.

– Parcerias com editoras de livro didático: de um modo geral, as escolas que eu frequentei faziam parcerias “antigas”, ou seja, selecionavam títulos de diversas editoras e indicavam a compra dos mesmos. Hoje tenho visto sistemas apostilados completos, que tiram de cena qualquer outro tipo de conteúdo senão aquele que a escola adotou. O que eu acho estranho é, se não do ponto de vista pedagógico, que já é um atentado apostilar a educação, não estamos dessa forma privando a criança de um conhecimento amplo e permitindo que entre em contato com um conteúdo que serve aos interesses de uma única marca? Ainda, eu nunca ouvi falar disso, mas será que ao exemplo dos remédios, as editoras comissionam escolas pela adoção de seus livros? Por que o custo desses sistemas são revertidos aos pais, certo?

– Cantinas com espaço comercial: não compreendo haver uma loja de alimentos dentro da escola. Não compreendo que marcas dos alimentos estejam em cartazes, caixas e, por fim, nos próprios alimentos. Claro está que as crianças precisam comer e que os alimentos precisam ser “vendidos”, eles têm seu preço. Mas colocar o Toddynho ou o Nescauzinho à disposição do aluno é publicidade dentro da escola. Minha cabeça pensa que, se a criança vai tomar leite com chocolate, que seja de fabricação própria, sem sugestão de marca. Afinal, que jeito mais eficiente de fidelizar um consumidor do que estar presente diariamente na hora do lanche, a hora mais feliz?

E vocês, já viveram ou vivem escola como espaço de marketing e fidelização às marcas? O que pensam disso?

*Anne Rammi tem 33 anos, é paulista, paulistana e vegetariana aspirante. Mãe de Joaquim e Tomás, interessada em dar uma geral no mundo, antes que as crianças caiam nele. Artista plástica de formação e cri-cri por vocação, escreve o Super Duper e dá as caras no Mamatraca.

 


Tags:  escolas publicidade nas escolas

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Mariana Sá




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