adultização e erotização / legislação / 18 de outubro de 2013

Erotização precoce e a autorregulamentação

Biquinho pintado de batom, sombra lilás nos olhos, bochechas pintadas de carmim, cabelos penteados em topete como as divas do cinema. Nas pontas dos dedos gorduchos, unhas pintadas de vermelho. Pérolas adornando colo e punhos. Uma calcinha de cetim. Pernas abertas, dedo na boca. Nos pés, os sapatos vermelhos de salto alto que deveria vender.

Uma criança é capaz de ludicamente pegar os colares da mãe, de calçar seus sapatos, de pintar a cara com cores vibrantes. Mas o lúdico de uma criança de três anos não dá lugar à estética da maquiagem e à sensualidade da pose. Crianças brincando de ser mães lambuzam o rosto e andam desengonçadas.

Não! A menina não estava brincando. A menina estava numa posição pensada por um adulto. A menina estava vendendo o valor da sedução, porque quando compramos um sapato de salto altíssimo vermelho não estamos comprando apenas um sapato, estamos comprando também a promessa de estarmos, no mínimo, bonitas, e potencialmente sensuais.

Desde segunda-feira estamos muito tristes pela exposição da menina que participou da campanha da empresa de calçados. Debatemos exaustivamente para chegar à conclusão de que não engrossaríamos os compartilhamentos dessa campanha infeliz. O motivo é simples: concluímos que compartilhar a imagem seria usar nossa audiência para dar mais relevância a essa apologia à pedofilia e usar a imagem de uma criança a nosso favor, para demonstrar nossa indignação e provar algo que estamos cansados de constatar: que a publicidade abusa das crianças.

post18-10-13

Nossa prioridade para a criança e nosso exaustivo debate interno sobre o que fazer nos impediu de sermos ágeis na informação ou na emissão de nossa opinião. E fomos cobrados por alguns leitores quanto à nossa posição em relação ao caso. Não nos arrependemos. Tudo que poderia ter sido dito sobre o fato em si foi dito por outras páginas, então vamos nos ater a um foco: a atuação do Conar.

Não é de hoje que dizemos que o Conar não tem a agilidade que as mídias impõem. E neste caso isso é gritante: não sabemos a mando de quem as imagens foram tiradas do ar, mas sabemos que não foi do Conar. Em notícia do G1, o Conar afirma que levará 30 a 40 dias para apreciar o caso. Ora! Esta era uma campanha de um dia só… De um final de semana só. Em 10 dias estaria fazendo estragos se não fossem outros atores a interceder.

Se mais este episódio lamentável e de grande repercussão serve para aprendermos algo é que, na hora de fazer campanhas com e para crianças, publicitários em geral têm verdadeiro desprezo pela nossa legislação – Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor ou Estatuto da Criança e do Adolescente – e pelo Código que os orienta para a ética.

Queremos agradecer mais uma vez aos publicitários envolvidos nesta campanha por mostrarem que a infância e as crianças são desprezadas e desrespeitadas pela suposta criatividade em detrimento dos interesses puramente comerciais.

Também agradecemos ao anunciante e à agência responsável por provar, mais uma vez, que o tal código de autorregulamentação publicitária é uma alegoria: não tem força de lei, e por isso, não é suficiente para garantir seu próprio cumprimento, seja via constrangimento profissional ou punições pecuniárias.

Se um anunciante e uma agência de publicidade se sentem à vontade para ofender todas as normais legais em vigor, se eles se sentem à vontade para expor uma criança e toda a infância, alguma coisa está muito errada, o que temos não tem sido suficiente.

Diante deste caso, mais uma vez rogamos ao Estado uma política pública boa o suficiente para proteger as crianças do assédio do marketing e da publicidade. Em nossa opinião, o primeiro passo é acelerar a tramitação do PL 5921/01; próximos virão. Rogamos que a sociedade não se deixe enganar pela proposital confusão que fazem entre censura e regulamentação, que todos estejamos atentos e encontremos maneiras de demonstrar que não aceitamos mais as coisas como estão e de pressionar aos políticos para saírem da posição de joelhos com que se mantém diante da mídia e do mercado.

 

v

 


Tags:  #aprovaPL #desocupaCONAR adultização conar erotização PL 5921/01

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Mariana Sá




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