escola / 28 de outubro de 2014

Ações promovidas por empresas nas escolas são aceitáveis?

Texto especial para o Milc de Mariana Sá*

Pergunto isso porque sei que vivemos um processo histórico onde as relações com as empresas e com o marketing estão banalizadas e não espero a curto prazo que o “certo” seja feito. O certo era não ter marca ‘falando com’ e fidelizando criança e ponto final. E sei que, com paciência, a ação promocional de empresas em escolas públicas travestida de ação de saúde ou de educação ou de arte e entretenimento vai pegar mal porque todos saberão que é uma marca se aproveitando da falta de experiência de um incapaz para tentar fidelizá-la do “berço ao túmulo”. Este dia há de chegar.

E mais: se o mercado realmente conversasse, acho que alguns de nós “aceitariam” o tal apoio cultural ou o patrocínio para viabilizar produções culturais e atividades educativas, como forma de redução de dano: faço tudo não ter o prejudicial discurso publicitário, com as suas pesquisas de mercado e a sua linguagem sofisticada e sutil, falando com as crianças. Eu “aceitaria” uma logo no fim do filme, na contracapa do livro, na pasta de dente oferecida como brinde numa suposta ação de saúde bucal na escola em outros espaços de aprendizagem, se, E SOMENTE SE, eu fosse consultada antes e se, E SOMENTE SE, existisse no programa desta escola/espaço um tempo para falarem sobre leitura crítica de mídia, analisando até esta tal ação.

Vou pegar como exemplo já debatido no grupo Consumismo e Publicidade Infantil de uma ação da empresa X que tem um projeto para promover ações de saúde bucal em escolas públicas:

Os defensores da ação dizem que é uma benesse da empresa, é um favor, já que supomos que as crianças não têm pasta e escova de dente. Ora! Se a escola é um espaço adequado para saúde bucal (sim, acho que de fato é!), a escola pública devia dar pasta de dente. O Estado/Município tem que prover os recursos para a ação. Mas o Estado falha e não dá. E fico imaginando se em todo o lugar onde o Estado faltar chegar uma marca para dar o que o estado não dá? É bacana? É aceitável que crianças sejam expostas a uma marca que provavelmente os pais não poderão comprar? O custo x benefício *para a criança* é positivo?

O que a empresa ganha dando o que o Estado não dá? A consciência do dever cumprido? Ou um recall berço ao túmulo?

Falo por mim, não falo pelo Milc: acharia a ação aceitável se, e somente se, houvesse autorização para prévia dos pais, alternativa de atividade a quem não autorizasse e alternância das marcas usadas – para a criança saber que se escova dente com escova e pasta, independente de marca. Além disso, precisaria ver se os professores e os diretores são capazes de avaliar a ação e fazer a análise crítica junto às crianças. Ideal é muito diferente do possível. Podem me chamar de moderada, de morna, de liberal, mas acredito em melhorias contínuas e constantes. Na certeza que a exposição de marcas É – sem sombra de dúvida – AÇÃO DE MARKETING, DAQUELES TIPO TRASH BERÇO AO TÚMULO. E é – sem sombra de dúvida – danosa para crianças e extremamente positivas para as empresas.

Agora se o governo escolhe uma empresa pra tomar seu lugar na política pública de saúde ostentando sua marca e fidelizando crianças de maneira acrítica, como é feito corriqueiramente Brasil afora, temos mais é que denunciar.

O que temos hoje são desejos – que seja legal x que seja ilegal – não sabemos o que o Estado que se beneficia destas ações vai fazer. Sim, o Estado se beneficia: a empresa supre a sua ausência.

Em tempo, para consciência do dever cumprido tem um jeito: kits genéricos, doados pelas empresas sem a marca ou mesmo pagos pelo Estado, também com autorização e consentimento dos pais:

15493-2

Kit entregue pela prefeitura de Feira de Santana – Bahia nas rede municipal de ensino.

Imagens da web

(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com


Tags:  ação social escola merchandising promoção publicidade na escola

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Mariana Sá




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