brinquedos e marketing / 20 de outubro de 2014

Um castelo para uma menina

Texto de Mariana Sá*

– Mamãe, me dá um castelo de diamante de aniversário?

– Claro, filha!

Alice estava prestes a fazer quatro anos e tinha uma mãe que adorava fazer suas vontades. A reflexão sobre a indústria de brinquedos e suas artimanhas para seduzir as crianças era ainda incipiente. Eu regulava a publicidade, mas não tomei os devidos cuidados com as missas encomendadas pelo mercado de brinquedos: os produtores fazem filmecos bacaninhas e as empresas licenciam cada personagem e cada objeto.

Eu caí em mim quando vi quanto cobravam pelo tal castelo diamante, mais da metade do salário mínimo da época. Eu podia dividir em dez parcelas. Eu podia fazer uma vaquinha. Eu podia pedir que os avós se juntassem e dessem de presente. Podia, mas não quis: era inadmissível pagar um valor exorbitante por um brinquedo made in china, muito provavelmente com trabalho nada decente.

– Filhota, o castelo de diamante que você pediu é muito caro. Tenho uma proposta para você: que tal guardarmos este dinheiro para aquela nossa viagem que estamos planejando para ir ver a neve? Com o dinheiro do castelo podemos alugar uma roupa bem bacana para você esquiar e podemos tomar um chocolate quente com vista para as montanhas. Topa?

– Eu topo! – respondeu sem titubear.

Não achei que seria tão fácil, mas foi! E hoje, olhando para trás, lembrando detalhadamente desta conversa que aconteceu no trajeto para a escola, dentro do carro, só nós duas, sei porque foi fácil: porque estar em família é muito melhor do que qualquer objeto. Tenho uma história análoga com Arthur e cada dia que passa tenho convicção da liberdade de não *precisar* comprar mais nada para fazer meus filhos felizes: é, a palavra é libertação!

Tenho destas: faço propostas que acho que teria dificuldade em emplacar e diante da facilidade e da sabedoria só posso me emocionar. E lá, dirigindo, num sinal vermelho, diante do “eu topo!” sem nenhuma dúvida, deixei rolar uma lagriminha. A lagriminha da constatação de que nossos descendentes são melhores que nós. Sabendo que a viagem seria um projeto distante daquele dia, de um estalo propus que construíssemos um castelo.

No meio do processo de construção, me descobri esperando Arthur e o projeto da viagem ficou ainda mais distante, quase impossível. O castelo feito à mão era mais do que uma ideia boa, era uma necessidade para me fazer presente ao lado da minha mais velha enquanto eu gestava o caçula que me consumiria as vísceras.

Foram vários finais de semana de diversão em família. Avós, amigos, tios, dindos se envolveram na construção do castelo a partir de uma caixa de fogão. Quem chegava para fazer uma visita encontrava aquele castelo no meio da sala e não resistia a deixar uma marca: móveis, cortinhas, pontes levadiças, apetrechos feitos de biscuit e de caixas de fósforo. Cola, barbante, fita crepe, tecidos, caixinhas, rolos de papel higiênico, cartolinas, tinta de parede com corante, pincéis, palitos, habilidades diversas e muito amor foram empregados neste empreendimento.

Todo domingo era dia de inventar algo novo para o castelo: camas, jogos de lençol, mesas, toalhas, plantinhas, etc. Nunca estava pronto, mas assim como as nossas moradias o castelo estava em constante reforma ou redecoração ao tempo em que era palco de brincadeiras criativas e engraçadas. Foram meses de brincadeiras com as amigas e com a bonecas.

Hoje posso parafrasear aquele meme criado pelo Milc e dizer: “Mattel, meu processo de produção é melhor do que o seu!”

Texto editado pela autora a partir do original publicado no blog viciados em colo.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças viciadosemcolo.com.

Tags:  brincar brinquedo criatividade infantil licenciamento personagens

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Mariana Sá




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