O preço e o valor do ovo zuado

Texto especial para o Milc de Mariana Sá*

Até uma criança que some dois mais dois consegue entender que este negócio de brinquedo em ovo é surreal. E esta é justamente a abordagem que vem chegando para mim: como meus amigos sabem que estou nesta cruzada contra os ovos licenciados, já ouvi várias histórias de crianças que foram convencidas pelos pais que na páscoa não cabe mais tanto herói, tanta princesa e tanto bicho humanizado. Basta juntar lé com cré e explicar que as crianças aceitam e concordam que ovo com personagem não vale quanto custa!

 

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Os diálogos são mais ou menos assim:

– Mamãe/Papai, nesta páscoa quero o ovo do/a <personagem tal>!
– Filhote, você quer o chocolate ou o brinquedo que vem no ovo?
– Quero os dois, mamãe/papai! Olha só: no ovo do/a <personagem tal> vem <brinquedo tal> que é muito legal… Você sabe que adoro <personagem tal>!
– Sim, filho <personagem tal> é muito legal mesmo! Pensa bem, filhote, o ovo do/a <personagem tal> vem com 150 ou 170 gramas de chocolate, mais ou menos a mesma quantidade de uma barra… E você lembra que não é aqueeeeele chocolate que você mais gosta?… Lembra que no ano passado (a) você saiu distribuindo o chocolate (b) o chocolate ficou na geladeira até o são joão (c) acabamos usando aquele chocolate em uma receita porque (d) o chocolate foi pro lixo?
…É neste momento que entra a motivação real…
– Verdade, mamãe/papai…  – diz a criança e neste momento, você percebe uma pontinha de tristeza – Mas e o <brinquedo tal> do <personagem tal>? Eu queria… Achei legal…
– Lembra que o brinquedo do ano passado (a) está perdido (b) está esquecido (c) nunca foi seu brinquedo favorito (d) você nunca usou (e) você deu ao coleguinha (f) você nem ligou no dia seguinte…
…E a tristeza da criança vai crescendo junto com a constatação de que realmente o ovo do personagem tal não é uma boa ideia.

E o adulto racional e político olha para os preços dos ovos licenciados e percebe que não é apenas uma questão de ter dinheiro (ou saldo no cartão!) e poder pagar por aquele mimo que fará o filho feliz, mas uma questão decidir se vai validar com o fruto do seu trabalho uma prática imoral. Cada centavo gasto num ovo (ou qualquer alimento!) com personagem é um “aceito” que damos a uma prática que nem deveria existir no mundo. O adulto olha para os preços e percebe que o brinquedo que vem dentro não tem o valor suficiente!

***

Nem comparamos os ovos com as barras – a indústria já explicou que o processo de fabricação e transporte do ovo custam mais caro e entendemos – mas ovos com ovos… Ovos com personagens e ovos sem personagens: comparamos ovos dos mesmos fabricantes e descobrimos que, na média a diferença de preço é de 60% (alguns chegam a 70%). Tabela abaixo:

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***

A criança, menos racional que o adulto, ainda está triste, decepcionada, porque ela acreditava que – de fato – ganhar aquele ovo seria algo especial… E o adulto precisa achar uma maneira adele perceber que ganhar aquele ovo não é tão importante mesmo quando “todo mundo” diz que é. E começa a pensar em alternativas inda mais especiais que transformem aquela tristeza em alegria de verdade, em aprendizado e numa lição que seja útil para todos.

Já ouvi gente que respondeu:
– Que tal a gente comprar barras do seu chocolate favorito e fazer um ovo: a mamãe vai escolher as surpresas para colocar dentro de cada um?
– Que tal a gente comprar barras do seu chocolate favorito e fazer vários ovinhos: a mamãe vai fazer a caça aos ovos mais divertida do mundo!
– Que tal a gente comprar barras do seu chocolate favorito e fazer vários ovinhos e dar de presente para todos os seus amiguinhos?
– Que tal a gente encomendar ovos de chocolate naquela amiga que faz doces deliciosos?
– Que tal a gente pedir a vovó para fazer aquele bolo com cobertura que você adora?
– Que tal a gente pegar este dinheiro do ovo e escolher um livro/brinquedo que você realmente curta?
– Que tal a gente pegar este dinheiro do ovo, comprar um lanche bem gostoso e chamar seus amiguinhos para um piquenique na praça?
– Que tal a gente pegar este dinheiro do ovo e comprar um super ovo sem personagem para comermos juntos depois do almoço de páscoa?
– Que tal a gente pegar este dinheiro do ovo e fazer um passeio só nós dois?
– Que tal a gente pegar este dinheiro do ovo e gastar naquele café que a gente adora?
E por aí vai…

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Imagem da web

(*) Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.


Tags:  #pascoalivre #pascoalivredeconsumismo licenciamento Páscoa

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Mariana Sá




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