destaque_home / legislação / 28 de maio de 2015

O que as mães querem?

Texto especial para o Milc de Mariana Sá*

Há uma semana eu desembarcava em Brasília atendendo a um convite inesperado para participar da Audiência Pública da CCJ sobre o PL 5921/01, substituindo um dos participantes que adoecera. Sem tempo para me aprofundar nos paranauês da constitucionalidade do projeto, me preparei para fazer uma fala de mérito, mesmo sabendo que este deveria ter se exaurido na tramitação das comissões anteriores. Porém, eu sabia que permaneciam pontos além da questão técnico-legal. Depois de cumprimentar todos os presentes e agradecer pela oportuna participação do Milc como uma voz materna no meio de tantas autoridades, fiz uma fala buscando determinar qual o melhor interesse da criança no meio de tantos interesses divergentes.

Seu filho é público-alvo ou sujeito de direitos?

Primeiro, afirmei que o ponto que causa a maior divergência entre os lados que se opõem é a crença de quem é a criança. Para as representações do mercado, a criança é público-alvo, é nicho de mercado, é um contingente populacional que mesmo sem poder de compra influencia os adultos ao ser redor a adquirirem aquelas produtos que foram demonstrados a ela via publicidade. Para as representações das ONGs, a criança é um sujeito de direitos, é uma pessoa em estágio peculiar de desenvolvimento, que merece cuidado e proteção para se tornar um adulto pleno e, portanto, deve estar salvaguardada do sofisticado discurso da publicidade.

Conar x Estado e a quebra do monopólio da regulação:

Outro ponto importante de divergência é sobre o papel do Conar. Obviamente o seu presidente acha que o Conar trabalha muito bem enquanto quem se opõe a autorregulação refuta este fato. No entanto, fiz questão de apontar que a atuação do Conar, de um ponto de vista histórico, garantiu a qualidade da publicidade e ultimamente tem respondido parte das demandas dos movimentos sociais. Como publicitária que estudou o Conar, sei que ele existe para proteger os publicitários e anunciantes. É por causa do Conar que existe um fair play no jogo do marketing e ele é implacável com empresas que difamam as outras. Apontei também que lentamente o Conar tem feito melhorias no seu código para atender as demandas dos movimentos sociais. 

No entanto, apontei, o Conar não pode requerer o monopólio da regulação da publicidade sem se abrir à participação da sociedade: as ONGs de direitos humanos mais chatas precisam ser acolhidas nos conselhos deliberativos do Conar. Para mim, é impensável que a uma ONG do mercado seja entregue o poder de definir as regras do jogo. Para mim, é impensável que num país democrático as atividades comerciais sejam autorreguladas: eles podem afetam os cidadãos contanto que se entendem entre si.

E mais: se o Conar estivesse funcionando bem, se estivesse atendendo a demanda por proteção, ninguém estaria demandando novas leis, mas, como disse Eva Perón, “onde há uma necessidade, surge um direito” e nós, mães e pais, temos a necessidade e o direito de tentar nos proteger das mensagens abusivas e do assédio dos anunciantes.

O mundo mudou, as pessoas começaram a ter direitos, a quererem ser reconhecidas e retratadas como são pela publicidade e a desejarem não serem estereotipadas na mídia. Se o Conar tem a pretensão de defender os direitos das pessoas, ele precisa ouvir as pessoas, não é lógico? Mas entendo que o Conar não existe para isso: o papel de defesa do cidadão e do consumidor é do Estado. E é o Estado quem precisa de instrumentos para fazer esta mediação de interesses.

estoudeolho-selo2E o deputados?

Durante o debate, muitos deputados pediram a palavra e todos eles admitiram que a publicidade exerce uma grande influência no âmbito doméstico. Alguns se colocaram no lugar de pais e se identificaram com as situações que dei como exemplo. Um ou dois declararam que os filhos pequenos têm seus personagens favoritos e admitiram que têm dificuldade de negar aos seus filhos os pedidos. Porém todos estão preocupados com a tal “liberdade de expressão comercial” que o mercado clama e que seque existe no nosso ordenamento jurídico. Muitos declararam que se a ditadura não censurou (sic) a publicidade (e por que censuraria), não deve ser um governo democrático e o parlamento que o faça.

Só que ninguém está pedindo censura. Ninguém está pedindo o fim da publicidade de qualquer produto, o que se quer é o redirecionamento das mensagens a quem deve zelar pelas crianças: os pais! O que se está pedindo é que os anunciantes parem de se dirigir aos nossos filhos para vender seja lá o que for.

E as crianças?

Pedi que o relator olhe para a história deste PL e para as crianças enquanto estiver emitindo a sua opinião. Afinal, uma geração inteira já cresceu sem proteção enquanto cada lado puxava a corda nestes 14 anos. Pedi que os deputados e as ONGs (do mercado e da sociedade) usassem um pouco de sabedoria e fizessem algumas concessões pensando nas crianças: talvez um cronograma de mudanças, para evitar uma grande ruptura.

Ressaltei que esta diferença entre as crenças das ONGs (sim, o mercado também está sendo representados por suas ONGs) fez com que este PL esteja se arrastando desde 2001 exatamente porque o Estado (ali representado pelos deputados) não está fazendo o papel de mediador que lhe cabe.

Supliquei que eles se aprofundem nas leis existentes e na própria constituição federal para proteger as crianças e quebrar este monopólio do Conar: não é possível que a seja uma entidade do mercado quem define o que é ou não publicidade abusiva (que já é proibida no país!).

Clamei ao relator que reflita sobre o papel social da publicidade infantil no desenvolvimento das crianças, ressaltando que pais e mães não consideram a propaganda uma contribuição positiva na formação de valores e de virtudes, nem um fator que beneficie o desenvolvimento dos seus filhos. Muito pelo contrário: é uma coisa que só gera muito estresse.

 

 


Tags:  #aprovaPL Audiência Pública autorregulamentação câmara dos deputados CCJ conar Congresso Nacional PL 5921 PL 5921/01 regulação da publicidade

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Mariana Sá




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