criança e mídia / 9 de outubro de 2015

Tem lugar para consumismo no teatro?

Texto de Fabiana Rodrigues*

Passamos por um momento muito delicado nas últimas décadas, em que a Universidade Pública como espaço público, além de carregar uma série de restrições históricas para sua expansão e atendimento do conjunto da sociedade brasileira, vem se fechando como um espaço de convivência.

Algumas iniciativas louváveis no sentido contrário a essa tendência de fechamento da Universidade adquirem relevo. A Unicamp vem abrindo o espaço da Casa do Lago para uma série de atividades culturais da mais alta relevância. No entanto, a experiência vivida neste local no último domingo (04/10), por mim e outras famílias, merece algumas considerações críticas e, principalmente, uma reflexão acerca da importância que esse espaço sirva para, de fato, promover atividades artísticas de alto nível, já que estamos numa Universidade que, além de atuar com destaque em diversas áreas do conhecimento, possui um Instituto de Artes por onde passam atores, músicos e dançarinos dos mais bem formados do país.

Na programação deste domingo comemorativo do dia das crianças havia a apresentação de duas sessões de uma peça com o tema da Disney, sobre o conhecido filme infantil “Frozen”. Poderíamos partir por questionar as razões de um local como esse, de notável criação artística como a Unicamp e seus cursos de artes cênicas, música e dança, priorizar uma peça com essa temática, ao invés de promover criações nacionais, por exemplo. Mas, o que mais chamou a atenção e causou revolta foi o desrespeito que ocorreu com nossas crianças, ao fazerem delas alvo de merchandising num espaço que deveria privilegiar o pensamento crítico e se colocar contrário ao estímulo ao consumismo infantil, uma das formas mais atuais de abuso com relação à infância.

O teatro estava cheio, as crianças excitadas para assistirem ao início da peça, quando entra um dos organizadores da apresentação anunciando que na saída haveria uma banca de vendas com itens dos personagens da peça, bonecas e outros brinquedos de plástico para as crianças que quisessem adquirir.

Não é possível ver com naturalidade essa ação que vincula uma apresentação artística com a venda de produtos para crianças que não tinham opção a não ser servirem de alvo desta propaganda, estimuladas à compra, ao consumo num espaço que deveria prioritariamente estimular outros valores, entre eles a necessidade de se questionar a propaganda e o consumo infantil.

Trata-se de um espaço público, de uma universidade pública que deveria ter compromisso com o que se difundi ali. Por isso, acho que a Unicamp de qualquer maneira é responsável e deveria avaliar criticamente o que ocorre ali dentro. Quando vou numa programação da Unicamp, da Casa do Lago sempre acabo tendo em mente que encontrarei algo de qualidade, de bom nível. Em algumas ocasiões é possível perceber que são peças de teatro ou outras apresentações que contaram com poucos recursos financeiros para financiarem-se, mas, em geral são sempre muito bem feitas, com profissionais sérios, ligados a produções artísticas autênticas. Por isso estive na programação proposta para o dia das crianças.

Infelizmente me deparei com uma situação como essa. É preciso uma reflexão e um debate profundo sobre o tema do consumismo infantil. Acho imensamente injusto colocar a maior responsabilidade nas mãos dos pais quanto a proteger a infância do consumismo, essa é uma questão social, que inclusive tem que passar por marcos regulatórios legais. Há países, por exemplo, em que a publicidade infantil é proibida ou muito restringida, porque se tem a clareza de que a formação da criança é uma responsabilidade de toda a sociedade. Construir um espírito crítico e proteger os filhos do bombardeio de propagandas que se dá o tempo inteiro em nossa sociedade é uma tarefa muito difícil e numa correlação de forças extremamente desigual entre famílias e grandes empresas, que mobilizam um exército de profissionais para pensarem estratégias sobre como seduzir as crianças ao consumo. A decisão de ir à peça, mesmo com críticas à temática foi minha, mas, não escolhi e nem tive opção ao ver minha filha sendo exposta a esse tipo de estímulo ao consumo casado à excitação provocada pela peça, que em minha opinião expressa uma tremenda violência contra as crianças ali presentes.

 

Imagem do arquivo pessoal da autora. Reprodução apenas se autorizada pela mesma.

Texto publicado originalmente no perfil da autora e republicado aqui com autorização.

(*) Fabiana é mãe da Lara, de 3 anos, Economista, Doutora em educação, Professora Universitária e Pesquisadora na área de História da Educação e Políticas Educacionais.


Tags:  comunicação abusiva marcas merchandising teatro infantil

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Mariana Sá




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