maternidade / 23 de novembro de 2016

Você não é obrigada a nada!

Texto especial para o Milc de Mariana Sá editado a partir de respostas a comentários nos posts sobre alimentação violenta, mas que servem para situar as novas leitoras em relação também outras polêmicas

 

Tem muita gente nova chegando no Milc e então achamos que valia à pena fazer novamente uma reflexão sobre o que somos e o que propomos. Muita gente não sabe, mas estamos desde março de 2012 imbuídas de levar informação e fomentar o debate sobre a influência das relações comerciais na educação das crianças, vigiando a atuação das empresas. Começamos este movimento como reação a uma ação digital de uma associação de agências de publicidade que pretendia culpas apenas as mães pelo consumismo infantil eximindo-se da sua própria responsabilidade nesta complexa questão visando impedir os avanços do novo marco de proteção à criança e de regulamentação da atividade.

Neste sentido, é importante pontuar que, para nós, o bem-estar da criança é prioridade, que privilegiamos uma visão crítica dos fatos com compromisso com a informação e suas consequências, que respeitamos à diversidade de visões e que enfatizamos o acolhimento das mães agindo com receptividade e compreensão: todo mundo é bem-vindo e bem recebido, apesar de não concordarmos com toda e qualquer ideia sobre infância, mídia e publicidade.

 

As administradoras do Milc são obrigadas a ler os comentários

Já recebemos a sugestão de para de ler os comentários para evitar aborrecimento com as ideias violentas e ofensivas de algumas pessoas que parecem muito afetadas com as ideias que compartilhamos, como por exemplo nos posts sobre a contraposição à escola de princesas e a proposta de uma alimentação não violenta.

Infelizmente ‘não ler os comentários’ não é uma opção para nós: no entanto respondê-los é! E só fazemos ‘quando queremos’ ou quando percebemos que a nossa intervenção é necessária, uma vez que as próprias leitoras se encarregam de oferecer visões plurais sobre os temas que contemplam o nosso ponto de vista.

Na verdade, gostamos muito de ler os comentários, porque a nossa página é fruto da interação entre nós, as mães (e alguns pais). Se alguma questão ganha muito destaque, entendemos que precisamos oferecer mais conteúdo relacionado para que cada leitora forme a sua própria opinião embasada nos mais diversos pontos de vistas possíveis, guardando relação com as nossas prioridades: de forma que jamais publicaremos conteúdo favorável à violência contra a criança como estratégia pedagógica, por exemplo. Aqui é preciso diferenciar pluralidade de imparcialidade, somos parciais e passionais a favor da criança e da mãe, então não compartilhamos nada que ponha em risco a criança ou que culpabilize a mãe sem contextualização social.

Somos obrigadas a ler os comentários, mas não somos obrigadas a responder, nem tão pouco a tolerar caladas comentários que revelam o caráter violento de algumas pessoas que se dizem preocupadas com as crianças, mas que estão apenas preocupadas em fazer valer as suas ideias antiquadas sobre educação, fechando olhos e ouvidos para qualquer informação que as obrigue a filtrar, refletir e repensar suas condutas (ou não).

 

As leitoras, já estas, não são obrigadas a nada

Nossas leitoras, por outro lado, não são obrigadas a nada. Aqui não vai ter ninguém obrigando mãe a fazer coisa alguma. Nosso papel simplesmente compartilhar ideias que a gente acredita, é fazer a leitura crítica da mídia, é pensar a sociedade de consumo e seus impactos sobre a infância e a maternidade, é empoderar as mães e as famílias diante da mídia e dos corporações, bem como levar inspirações e mostrar alternativas à esta vida potencialmente corrida, violenta e sem sentido a que estamos sendo submetidos todos – crianças e adultos.

 

Somos contra o consumismo e não contra o consumo

Sim, tem questões que levantamos que podem, de fato, levar ao consumo de objetos, conteúdos e experiências, mas só compartilhamos quando consideramos que é um consumo positivo, produtivo e consciente. Estes são “apelos de venda” irrelevantes diante do assédio diário cometido pelas empresas. Então dificilmente vai ter aqui post com uma ideia que requeira a compra de arsenal de apetrechos para realizá-la, especialmente se este arsenal for vendido por uma grande corporação.

Por exemplo: o combo de uma criança que não come e uma mãe angustiada pode ser extremamente lucrativo para as grandes corporações.

Muito diferente da opinião de um pediatra que estimula que os adultos não forcem as crianças a comer ou de uma mãe que organiza uma oficina visando se contrapor à ideia hegemônica de que as meninas precisam ser princesas. Ambos oferecem uma solução que uma vez “consumidas” abrirá a possibilidade para uma solução de fato, muito diferente dos complementos achocolatados vitaminados artificialmente que promete substituir uma refeição ou os brinquedos estereotipantes e peças de vestuário adultizantes.

Acreditamos que profissionais que desafiam as ideias hegemônicas mereçam ser (muito bem) remunerados pelo seu saber, pela sua voz, pela sua resistência, quando seria muito mais fácil pegar o patrocínio de uma gigante.

 

Somos “apenas” mães numa roda gigantesca de conversa ou num carrossel de afazeres

Tem muita gente que acha que o Milc é uma grande redação de jornalismo, uma ONG com muitos funcionários e estagiários, ou uma repartição pública com obrigação de acolher denúncias e formar processas, mas somos “apenas” mães.

Somos “apenas” mães compartilhando reflexões, dilemas, descobertas, ideias, alternativas, soluções e inspirações, tudo isso que usamos como insumo na nossa necessária reeducação para educar nossos filhos: ou vocês acham que dá para educar as crianças de depois de amanhã com as crenças de anteontem?

E não somos “apenas” mães: somos trabalhadoras, estudamos,  temos que dar conta da casa, dedicar tempo próprios pais, aos amigos, ficar em dia com relacionamento afetivo e sexual e cumprir nossas horas de ativismo (que além de colocar conteúdo na internet, isso envolve estudar muito, estar atualizada sobre nossa pauta, responder pedidos de entrevistas, fazer palestras, moderar rodas de conversa, ouvir queixas diversas, além de organizar  e participar de eventos diversos). Tudo isso ao mesmo tempo em que pegamos engarrafamentos e que temos que lidar com um cano estourado na pia da cozinha! Ufa! E… ainda… precisamos brincar!

Nem sempre conseguimos tocar o dia conforme nossa utopia. Tem dia que não dá para cozinhar calmamente ou mesmo fazer as refeições em família, mas – olha só – não nos culpamos quando não conseguimos, porque sabemos que buscar esta meta é tão importante quanto nos acolher nas nossas próprias vulnerabilidades e imperfeições… aliás sabemos que mãe perfeita e ativista 100% coerente é como cabeça de bacalhau: a gente sabe que existe mas nunca viu.

Sabemos que estamos aqui propondo um ideal, uma infância quase utópica, porque tem aquele dia que o grito sai da garganta antes de nos darmos conta do próprio descontrole e, quando vimos, já fomos violentas com nossas crianças. No entanto sabemos que gritar é errado e porque gritamos quando estamos sob pressão não significa ter que começar a achar que é certo e a defender grito.

Da mesma maneira que saber e concordar que uma refeição cercada de violência é ruim para a saúde mental e física das crianças não nos impede de um dia apressar o filho, insistir para que coma mais ou acabe cometendo uma barganha para conseguir este objetivo. O que não nos faz ser incoerente com nossas crenças. E cometer deslizes diversos não nos faz discordar da necessidade de respeitar o tempo deles, de entender que cada ser humano – inclusive os bebês e as crianças – só deve comer o quê, quanto e quando quiser.

É preciso deixar muito explícito que ninguém aqui do Milc está obrigando ninguém a nada ou julgando a mãe que age de uma maneira diversa da qual acreditamos ser “o mais correto”. Não temos mandato para condenar a família que obriga ou obrigou o filho a comer, a que não deixa os “filhos homens” brincarem de boneca ou a que manda os meninos segurarem o choro enquanto confortam as meninas. Mas nos sentimos no direito de oferecer e martelar informações e opiniões que desvalidem estas condutas.

 

Negação, primeiro estágio da transformação

Mas, nós sabemos que as mães e os pais se sentem mal quando são confrontados com estas informações que desvalidam as suas próprias crenças e a maneira como eles próprios foram educados: quem poderá admitir a constatação de que educa errado ou que a sua própria mãe lhe educou errado (na verdade, com base em crenças erradas)?

Temos uma enorme compreensão ao nos deparar com pessoas que agem de maneira diferente da nossa e não apenas defendem a conduta quanto desqualificam a nossa, porque passamos exatamente pelos estes mesmos percursos de negação, de confronto entre crenças.

Sabemos que mães erram tentando acertar, que o fazem conforme aprenderam, quase sempre de maneira similar à (ou totalmente diferente da) que foram educadas, com base em valores e princípios corretos que visam a saúde e o bem-estar deles, mas com condutas, estratégias e crenças equivocadas, sem nunca ter tido contato com alternativas.

Aqui no Milc oferecemos alternativas e damos espaço às mães e pais que desejam compartilhar suas condutas como forma de inspirar e gerar rupturas e mudanças.

Temos um desejo profundo – que nem sempre conseguimos realizar – de fazer com que as mães que chegam aqui não se sintam julgadas, sobrecarregadas, culpadas. Mas o nosso acolhimento vem na forma de responsabilização, não de tapinha nas costas: “está aqui a informação, caso não deseje mexer nas convicções basta estar preparada para arcar com as consequências”.

Educar em tempos de internet é maravilhoso e desafiador: além de ter que minerar uma quantidade absurda de informações, filtrar, refletir, repensar, confrontar com as próprias ideias e crenças, é preciso ter muita intuição para separar o que faz sentido para seu coração e encontrar um caminho único que funcione para si e para os seus.

 

Ainda há tempo

Resolvemos escrever e publicar este texto para deixar explícito que entendemos quem discorda de nossas ideias, quem as nega, até mesmo quem é violento e ofensivo nos comentários.

Sabemos que está no script reagir com violência contra o quê ou quem confronta as nossas crenças: perdemos as contas de quantas vezes a negação foi a nossa primeira reação diante de uma divergência de opinião ou diante de uma informação nova… de quantas vezes argumentamos que uma proposta – como alimentar o filho sem violência ou educar crianças livres de estereótipos de gênero respeitando sua individualidade e desejos – só seria possível para teóricos sem experiência prática ou para práticos com muito tempo livre ou muito dinheiro e que por isso é elitista.

Entendemos nossas leitoras mais aguerridas porque a nossa própria caminhada de reflexão e paixão pelo que acreditamos é muito parecida com a delas. A diferença talvez seja a consciência que temos disso, o que nos faz lidar de outra maneira com o impulso de negação quando nossas próprias ideias são sacudidas por bombas de informação nova. O que acontece quase todos os dias.

Quando uma das nossas novas leitoras fica mais tempo acompanhando nossas conversas (e as de outras páginas tão importantes quanto o Milc) e consegue acessar e alcançar a quantidade e a qualidade da informação compartilhada, pode perceber até uma espécie de libertação.

Correndo o risco de parecer messiânica, a informação contra-hegemônica que, à primeira vista, parece uma doutrinação sem fim, na verdade é um insumo importante para lidar com a cagação de regra sem fim da sociedade de consumo, esta sim assediadora e impositiva.

Com este tipo de informação contra-hegemônica, experimentamos menos estresse, menos tempo perdido, mais entendimento dos mecanismos de aprendizado, educação e desenvolvimento das crianças, mais empatia pelos filhos, mais saúde física e mental, mais bem-estar, para todos – crianças e adultos.

Pedimos a você que chegou até aqui, que se permita um aprofundamento na questão sempre que uma informação nova confrontar suas convicções: busque maior entendimento no que está sendo proposto: busque maior entendimento no que está sendo proposto. Saiba que sempre há tempo de mudar (ou não) afinal nem nós, nem você é obrigada a nada!

 

(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.


Tags:  alimentação infantil educação educação alimentar mídia e alimentação

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