outros / 5 de abril de 2013

Criatividade

Texto de Aldo Masini*

Estávamos conversando sobre qualquer coisa que agora me escapa à lembrança. Porém, à medida que concluir meu relato, sei que muitos entenderão o motivo do esquecimento e, como eu mesmo, perceberão tratar-se de questão de menor importância.

– Não tio, o rosto do palhaço é pintado de branco. Não é cor da pele.

Ante tal afirmação, incauto, pensei em provocá-la fazendo-a pensar na pluralidade de matizes que a pele pode ter quando consideramos a quantidade de pessoas e fatores que determinam tais cores.

– Cor da pele querida? Mas que cor afinal é a cor da pele?

E, antes mesmo de fazer a carinha de interrogação que ingenuamente imaginei que faria, a danadinha me respondeu.

– É o rosa “desligado”.

Não vi meu próprio rosto, não havia espelho ali, mas sei que fiquei eu mesmo com a tal cara de interrogação, para não dizer cara de palerma.

– Rosa “desligado” amor? Que rosa é esse?

E ela então, com a desenvoltura de uma atleta olímpica e a graça de uma bailarina atrapalhada, correu dali sem dizer palavra para voltar em seguida trazendo um lápis de cor já pela metade, respondendo, orgulhosa:

– É esse, tio, esse rosinha.

Tá vendo o rosa "desligado" aí, tio?

Tá vendo o rosa “desligado” aí, tio?

Era rosa, rosado, rosinha; aquele rosa claro pastel opaco sem graça apagado enfadonho. Cor da pele, por convenção dos coloristas, se todos nós tivéssemos cor de boneca.

– Querida, então é esse o rosa “desligado”?

– É esse, tio. A “prô” disse para usar esse rosinha para pintar a carinha das meninas e meninos que a gente desenha. Mas eu gosto mais de pintar de azul ou de verde, quando desenho um menino palmeirense.

E mesmo correndo o risco de invadir uma seara que não é a minha, me arrisquei a implicitamente contradizer a professora, a “prô”, como ela disse.

– Querida, não há regras para pintar, você pode usar as cores que achar bonitas.

Mas como continuava curioso quanto à adjetivação atribuída ao rosa cor da pele, emendei:

– Mas, querida, por que rosa “desligado”?

– Porque o outro é rosa choque, né, tio?

Então me dei conta da beleza singela da criatividade infantil. Uma beleza pura e sem tamanho que às vezes, infelizmente, tentamos limitar com nossa imaginação “desligada”.

Qual a cor da sua pele?

Qual a cor da nossa pele?

*Aldo Masini é funcionário público em São Paulo capital, tem especialização em Gestão Ambiental e Educação, é tio de três sobrinhos que constantemente lhe ensinam caminhos mais bonitos e se aproximou do MILC por ser um cara preocupado com nossa relação com o consumismo e a forma danosa com que isso invadiu o mundo de crianças e jovens. Escreve no blog My Thoughts.


Tags:  cor da pele criatividade infantil liberdade artística

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Mariana Sá




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