outros / 3 de junho de 2013

Ei, marketeiros! Deixem nossas crianças em paz!

Texto de George Monbiot*

Tradução de Anne Rammi**

(Clique aqui para ler o artigo original)

Marketing escolar, promoção de junk food na internet: como podemos tolerar esse sequestro corporativo das mentes em desenvolvimento.

Quantas pessoas acreditam que a iniciativa a seguir pode fazer do mundo um lugar melhor? Uma companhia chamada TenNine tem murais publicitários espalhados pelos corredores e salas de uso comum de 750 escolas da Grã Bretanha. Entre seus clientes estão Nike, Adidas, Orange, Tesco e Unilever. Seu argumento diz que “sua plataforma de alto impacto age diretamente no coração do mercado de 11 a18 anos”.

Outras firmas estão aderindo à estratégia. Boomerand Media, que representa Sega, Atari, Virgin e Umbro entre outras, persuadiu escolas a distribuir amostras de perfumes da Revlon para seus alunos. Essa campanha, eles dizem, foi diretamente relacionada com as aulas de PSHE e PE. PSHE significa (em inglês) Educação Pessoal e Social para Economia e Saúde. Ou “como viver melhor”. Como pode a distribuição de perfumes ajudar as crianças a manterem-se saudáveis e viverem bem é um mistério que eu deixo para você tentar solucionar.

A publicidade em escolas oferece às corporações um mercado genuinamente cativo. As associações que defendem as artes obscuras da persuasão argumentam que, se você não gosta de publicidade, você não é obrigado a olhar para ela. Mas nesse caso, você é. Enquanto as pesquisas sugerem que os anúncios em beira de estrada aumentam o conhecimento de uma marca em 28% das pessoas que passam por ele, cartazes em escolas, de acordo com a própria TenNine, alcançam 80% do público.

A cada ano, os publicitários se infiltram um pouquinho mais em nossas vidas, diminuindo os espaços não contaminados onde ainda podemos viver. De maneiras que pouco temos conhecimento, eles mudam nossas percepções do mundo, alteram nossos valores, infiltram-se na nossa linguagem.

Mas ao menos adultos têm algumas defesas. Como o publicitário Alex Bogusky aponta: “Crianças não são adultos pequenos. Seus cérebros são fundamentalmente diferentes. A primeira grande diferença começa com o fato de que o hemisfério direito do cérebro só começa a se manifestar com impacto a partir dos 12 anos. Isso é importante porque, sem o envolvimento do hemisfério direito do cérebro, todas as decisões e conceitos são em preto e branco. Se você senta com uma criança para assistir comerciais, vai perceber como são eficazes essas mensagens: eu quero isso, me dá isso,eu preciso disso. Essas palavras saem de suas bocas aparentemente para todos os comerciais, e eles querem dizer exatamente isso, eles acreditam nisso e eles estão indefesos quanto a isso.”

Essas pessoas indefesas estão sendo perseguidas com precisão e eficácia, e os governos falham na hora de protegê-las. No Reino Unido, publicidade de alimentos com alto teor de gordura, açúcar ou sal não pode ser veiculada durante a programação infantil. Mas pode ser disparada contra as crianças em sites. A Nestlé, por exemplo, tem um site para “a família”onde as crianças podem “explorar a diversão” com Quicky, o coelho da Nesquick. Há prêmios para ganhar, piadinhas para compartilhar, jogos para jogar e anúncios de TV para assistir. Cheestrings, sem nenhuma intenção de atingir nenhuma outra pessoa que não seja criança pequena, tem um site no Reino Unido chamado “101 coisas para você fazer antes dos onze anos e meio.” Entre essas coisas está “entre em forma”, ilustrado com o gordo e salgado mascote de Cheestrings.

O site de Sugar Puffs, literalmente direcionado a crianças, convida para que “se juntem à brincadeira”, com piadas, jogos de computador, postais eletrônicos para enviar aos amigos e anúncios televisivos para promover as porcarias que a companhia vende. Para vergonha do Variety Club, que é uma obra de caridade destinada a ajudar crianças doentes, existe uma promoção casada para promover os Sugar Puffs através de doações.

No livro Childhood under Siege (Infância Sitiada), Joel Bakan mostra como os jogos de computadores estão sendo desenvolvidos para criar novas plataformas para anúncios publicitários. O objetivo, de acordo com um executivod a área por ele citado é “pegar os usuários pelo desejo de jogar livremente e depois monetizar tudo, depois que já foram fidelizados”. Uma das formas é premiar crianças com pontos ou moedinhas virtuais quando elas clicam em anúncios publicitários nos sites que frequentam.

Tudo isso é promovido como diversão livre, sem proibição. Pais que tentam restringir o acesso de seus filhos são puritanos e estraga-prazeres. “Quando nossas crianças mergulham na cultura corporativa que trabalha para libertá-las das regras dos pais, vamos perdendo a habilidade de encontrar o vínculo, respeito, autoridade e credibilidade de que precisamos ter para mantê-los seguros, saudáveis e felizes a longo prazo”, explica Bakan.

Em acordo recente, o governo prometeu “acabar com a publicidade e o marketing irresponsáveis, especialmente para crianças”. Nele, aprovaram uma revisão que diz que, se os anunciantes falham em suas atividades autorregulatórias, o governo deve agir. O governo diz que concorda com essa necessidade.

Então cadê a ação? Existe um website que facilita o papel dos pais de fazerem suas queixas, e uma promessa dos anunciantes, já quebrada, de não usar crianças como embaixadoras de marcas ou para marketing individual (peer-to-peer). Mas sobre publicidade dentro de escolas ou promoçãa de junk food na internet? Nenhuma palavra.

[Nota: no brasil a regulação está ainda mais atrasada, não havendo nenhuma lei que trate de publicidade dirigida ao público infantil, como mostra o recente descaso do governo de São Paulo ao vetar o projeto que regularia o marketing infantil de alimentos de baixo valor nutricional.]

Então não demorou muito para que eu decidisse assinar a carta aberta de uma nova campanha chamada Deixem Nossas Crianças em Paz, que pede que se proíba toda a publicidade dirigida para crianças abaixo de 11 anos: é espantoso que tenhamos tolerado por tanto tempo o sequestro dessas mentes jovens por companhias que exploram sua inocência e deslumbramento naturais. Essa campanha vai além da questão da publicidade. Ela mostra quem somos: cidadãos que pensam livremente, apoiados nas melhores informações e julgamentos que pais e professores podem alcançar ou consumidores passivos, atingidos em casa e na escola pelas sutis mentiras corporativas. Eu te convido a juntar-se a nós.

*George é autor dos best sellers The Age of Consent: A Manifesto for a New World Order e Captive State: The Corporate Takeover of Britain, bem como dos livros de turismo investigativo Poisoned Arrows, Amazon Watershed e No Man’s Land. Seu livro mais recente é Feral: Searching for Enchantment on the Frontiers of Rewilding.

**Anne tem 33 anos, é paulista, paulistana e vegetariana aspirante. Mãe de Joaquim e Tomás, interessada em dar uma geral no mundo antes que as crianças caiam nele. Artista plástica de formação e cri-cri por vocação, escreve o SuperDuper e dá as caras no Mamatraca.

 


Tags:  George Monbiot publicidade em jogos eletrônicos publicidade em sites publicidade na internet publicidade nas escolas

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Mariana Sá




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