outros / 5 de agosto de 2013

Monster High para a minha filha, não!

 

Texto de Patrícia Grinfeld*

Não sou a pessoa mais conectada no que tem à venda por aí, especialmente brinquedos. Vivemos bem sem ter muito.

Há dois anos, quando começou a febre do Beyblade, meu filho me pediu um. Ele tinha pouco mais de 5 anos, devia ser mês de agosto. Descobri que ele era o único da sala de aula que não tinha o peão – e eu, a única mãe de menino que não sabia o que era um Beyblade. Combinamos que ganharia um no Dia das Crianças (minhas crianças ganham brinquedo nesta data, aniversário e Natal). Ganhou duas semanas depois da data combinada porque o tal do brinquedo estava esgotado. Brincou poucas vezes e, como os outros que ganhou de amigos no seu aniversário, quase um ano depois, está esquecido dentro de uma gaveta.

Nesta mesma época ele passou por uma fase de não querer ir à escola. Foi difícil entender o que acontecia, já que ele nunca se opusera. Ao contrário, adorava a escola! Quando a situação estava reestabelecida, entendi que seu desinteresse pela escola estava relacionado à falta do brinquedo.

Dois anos depois a história se repete com minha filha – 5 anos e 3 meses – e só me dou conta do fato no último dia de aula deste primeiro semestre. Há algum tempo ela vem dizendo que não quer ir à escola. Levantei algumas hipóteses que justificassem seu discurso e estava crente de que havia encontrado o motivo da sua recusa. Mas, depois do episódio da primeira tarde em férias, desconfio que ele não seja o único.

O episódio: meus filhos passaram a tarde brincando no clube com o avô. Como de costume, passaram na banca de revista. Minha adorável pequena não perdeu a oportunidade de pedir a ele uma Monster High. Meu sogro docemente respondeu que a boneca era horrorosa e que ele não a compraria. Sábio avô! Ele não sabia da minha campanha antiMonster High.

O não poderia ter sido apenas mais um não se minha filha não tivesse “escapado” do avô. Sem olhar para os lados, atravessou sozinha a rua como gesto de descontentamento à atitude firme dele. Um risco, um susto. Estaria ela virando uma “monstrinha” por causa das monstras?

A campanha contra as filhas dos monstros famosos: não sei quando as bonecas apareceram no mercado, mas fui me dando conta da sua existência pelas mochilas das amigas do meu filho. Se não todas as meninas, a maioria, no auge dos seus 6-7 anos, carrega o material escolar protegido pela imagem das medonhas com corpo de mulher. As últimas festas de aniversário de meninas entre 5-7 anos para as quais fomos convidados, com raríssimas exceções, tinham as personagens como tema, assim como tem sido o padrão das roupas e acessórios.

Quando a vozinha meiga da minha filha dizia “Mamãe, me dá uma Monster High”, eu respondia “no Natal”, com o objetivo fazer com que o tempo apagasse seu desejo. Depois deste episódio o teor das conversas já é outro.

Com 5 anos, minha filha (ou qualquer outra menina na situação dela) é ou sente-se excluída porque não tem uma boneca ridícula (ou muitas?). Não que ela não tenha brinquedos legais e interessantes que a permitam brincar, inventar e se divertir, sozinha ou com amigos; ela não tem a boneca que tem a marca da imperfeição. Pergunto: é preciso ter uma boneca imperfeita para poder ser autêntico, singular? É preciso ter uma boneca imperfeita para poder viver sentimentos de imperfeição? Certamente não. Somos todos imperfeitos e isso parece que está sendo esquecido.

O lema das bonecas é “Seja você mesmo, seja único, seja um monstro!”. Como ser único se há uma imposição para ser um monstro, portanto, uma negação ao não-monstro, à diferença? Ser diferente entre os iguais não é diferença, é disfarce!

Talvez aqui resida o sucesso da boneca. O discurso politicamente correto de que as diferenças são bem-vindas só tampona o quanto a diferença é insuportável, o quanto não há lugar para ela existir. Sendo iguais, não há espaço para a criação, para o novo e o diferente. Dessa forma, o perigo está escancarado: como se expressar genuinamente num brincar induzido, não atrelado às descobertas, invenções e singularidades? Brincar e se divertir está cada vez mais associado ao que vem pronto, ao ter. Será que isto, de fato, é brincar?

Como mãe, sei o quanto é difícil ver uma filha sentir-se com um pé fora de seu grupo pela falta de uma boneca. Mas, se dou a boneca, eu a coloco na roda de fogo da hipersexualização e da idiotização, inibindo a criatividade, reforçando o padrão cultural de comportamento de que “é preciso ser igual para poder existir”. Esse padrão precisa ser transformado, pois só quem consegue ser, por si próprio, é um sujeito livre.

Embora venda a ideia de liberdade, a Monster High aprisiona. Essa é a mensagem que tento, agora, passar para minha filha.

*Patrícia é 2x mãe, psicóloga e escreve no blog Ninguém cresce sozinho


Tags:  Beyblade febres infantojuvenis Monster High

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Mariana Sá




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