adultização e erotização / 15 de julho de 2014

Sutiã e salto para quem precisa (e quem precisa?)

Texto de Mariana Sá especial para o Milc

Este texto é uma reflexão sobre o texto Soutiã com bojo: adultizacao da infancia e porque nada muda publicado na semana passada

Quando constatamos que existem produtos 100% inadequados para crianças no mercado – tais como sutiã de bojo e saltos para crianças pequenas, nossa reação natural é pensar em quem é o imbecil que compra certas coisas… Nunca pensamos em quem foi o imbecil que criou, produziu e colocou esta porcaria à venda. Talvez nosso medo de ter um ente superior nos tutelando, nos faça pensar que o comportamento “correto” do consumidor seja suficiente para barrar a criatividade danosa de certos empreendedores. Para mim, quando se trata de criança não é.

Boicote é uma atitude possível, mas não é suficiente: quero lei, quero regulação, quero fiscalização, quero justiça, quero multas pesadas que impeçam as indústrias, a mídia e o comércio de serem imbecis.

Vejo este fenômeno de botar a culpa em nós mesmos, no consumidor como algo natural e fácil. Talvez seja fruto da nossa cultura que cultua a culpa, o sacrifício e a expiação de pecados, sem perceber o contexto social em que estamos imersos: se está no mercado é porque vende, se vende é porque alguém deseja. Certo? Errado! Abundam cases de marketing em que uma necessidade foi semeada e nutrida por planejamentos que queriam apenas vender… conquistar um mercado… abrir mais um nicho… e não atender a uma necessidade do consumidor. Tem o caso clássico da mistura para bolos que deixavam as esposas culpadas nos anos 1950 e a cera de depilação para as chinesas que já não tem muito pelo.

E perceber que existe espaço para adultização e sexualização infantil num país que esbanja sensualidade como o nosso não é tarefa para gênio. Não para um gênio do mal que acha que vale tudo para expandir sua base de consumidoras: “ora, se existem x adolescentes e adultas que de fato precisam de sutiã, só posso aumentar meu mercado inventando que bebês e meninas sem peito também precisam de peito, nem que seja falso para ornar como miniadultas”.

Acho triste, imoral, antiético, absurdo que uma empresa e profissionais de moda, design, costura (ou seja, pessoas – talvez com filhos assim como nós) não reflitam sobre a sua própria responsabilidade em colocar um produto destes no mercado. Acho triste, imoral, antiético, absurdo que um fotógrafo e um produtor de moda coloquem colares de pérolas – algo extremamente ligado à sensualidade – e fotografem crianças de dente de leite dentro de um sutiã de bojo, renda, laços de cetim e alças reguláveis.

Infelizmente, as pessoas não têm total consciência/ampla informação sobre os prejuízos para saúde física e mental que o uso deste roupas/sapato/brinquedos/comida/mídia inadequados à faixa etária podem causar às crianças a médio e curto prazo. Deve ter quem veja na prateleira e ache fofo. Deve ter quem veja uma menina com peitinhos falsos e ache adequado.

Como Debora disse no outro texto, quem nunca comprou algo absurdo que atire o primeiro real: as pessoas compram (compramos!!!) sem pensar. São (somos) atraídas sei lá por que atributo e não pensam nas consequências. Acho que todas as mães/pais/tios/avós já ofertaram algo – roupas/sapato/brinquedos/comida/mídia – sem refletir muito, apenas pela fofura – eu não acho fofo, mas deve ter quem ache.

Nós, como consumidores, somos muito irracionais: quantas coisas compramos sem refletir muito e depois se mostram inúteis ou prejudiciais? Posso apostar que o adulto compra um sutiã como este para um bebê achando engraçadinho, mas duvido que a criança usa uma ou duas vezes – ainda bem! sou otismista? – duvido que um bebê de dois anos suporte usar por muito tempo. E o sutiã vai ficar no fundo da gaveta! A compra atendeu apenas a uma demanda: o lucro do imbecil que fabricou!

Estamos aqui com uma missão, estamos falando sobre isso para tentar afetar esta realidade nas duas frentes: na frente do consumidor que (não!) compra; e na frente do cidadão que exige que o Estado faça esta regulação.

Por este e outros motivos, acho que as indústrias/anunciantes precisam de uma regulação mais “assertiva”. Não acho que regular um mercado como este seja tutelar famílias, muito pelo contrário, acho que significaria proteger uma geração que hoje está tutelada pelas leis nadas protetivas do mercado. depositar a culpa no consumidor é simplismo — só acho…

Na Câmara de Deputados está em tramitação um PL para vedar a produção e venda de sapato com salto para criança. Leia a notícia e veja a ficha de tramitação.

(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com


Tags:  adultização precoce criança criança e consumo crianças e publicidade erotização precoce mercado proteção à infância responsabilidade compartilhada

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Mariana Sá




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