Geração Coca-Cola criando filhos

Texto especial para o milc de Maria Clara Soares*

Quando na década de oitenta as mães e pais de hoje eram crianças a Coca Cola não passava de bebida de festa. Em algumas casas mais abastadas, figurava nos seus cascos retornáveis nos domingos depois da missa. Nas classes menos favorecidas, era estrela principal no palco da mesa de Natal. Até porque mesmo lá, já fazia tempo que natal era sinônimo de Papai Noel vermelhinho, de barbas brancas, com cara de felicidade.

Essas crianças cresceram com as primeiras magnânimas investidas da publicidade infantil. Enquanto muitos desses pais, hoje avós, faziam aquilo que era esperado deles: bancar um futuro promissor! para que nada faltasse aos filhos! Para quem sabe, fossem eles os primeiros da família a frequentar a tão sonhada faculdade. Ou nas famílias com mais sorte, pudessem seguir os passos suados do pai, o primeiro da linhagem a largar a máquina da fábrica, ou até a enxada do campo, para viver uma vida de… fartura!

coca-tampinha

Já naquela época, a Coca era emoção! Prazer! Aventura! Quem não chorou a morte de Tancredo Neves com a mãe e aguardou o próximo domingo para afogar as mágoas num copo (único copo) daquela garrafa linda da Coca Família? Ela tinha um litro e meio.

Cresceram. Ouviram muita Xuxa, curtiram os trapalhões enquanto desejavam a tesoura do mickey e compravam batom pacas. Nunca a geração Coca Cola foi tão feliz. Brincando com sua lanchonete do Mc Donalds, suas Barbies finalmente importadas e paquerando os garotos enfiados em tênis Nike Air enquanto sonhavam com o próximo passo da vida: finalmente, ser alguém. 

Chegaram na adolescência, dentro do discurso vigente, apoiado pelos ausentes pais em situação cada vez mais crescente de trabalho, de que era preciso estudar muito para ser alguém na vida. Para ter um bom emprego. Para ter dinheiro para comprar coisas. Embalada pelo hino da legião que gritava que aqueles eram o futuro da nação, a Coca Cola saiu da mesa de domingo e chegou com masi fartura às geladeiras.

As mães preocupadas com seu peso, já podiam até contar com a versão diet, uma invenção incrível, que supria suas necessiades de prazer e aventura sem quase nenhuma caloria, em latinhas de ferro preocupante, com um esquema de abrir de causar arrepios no fim da nuca.

Enquanto isso, claro, havia quem não podia pagar a Coca. Então tomava o ridículo Dolly, com suas propagandas mal ajambradas no espaço midiático para crianças do SBT. Ai como era bom para essa parcela favorecida da população ser filho de pais esforçados que podiam lhe proteger da vergonha de levar uma caçulinha de Dolly para o lanche da escola.

Quando atingiram a maior idade, a geração Coca Cola, já na faculdade estava ligadíssima em seus benefícios e sabor. E dá-lhe coca com energético. Coca com sorvete. (aquela bebida de rum e coca, como chama?) Chiclete de Coca. Camiseta da Coca. Havaianas Coca. Todo um estilo de vida paginado para aquilo que mamãe queria para mim: sucesso! Aventura! Prazer! Venci na vida! Quem nasceu para Dolly, jamais será essa coca cola toda!

Entre um gole de Cuba Libre, (você sabe, rum com coca) e outro a geração coca cola se apaixonou. Ah… o Amor. O amor, frizante e regado de açúcar, uma receita secreta! O Amor que conseguiram garantir com seus corpinhos malhados, trabalhado na coca (agora light, porque proibiram a diet, e mais tarde, quem didria, proibiram a diet, então ela virou zero) e no gatorade, um lançamento incrível (da Coca Cola) para quem curte fazer esporte. E desse amor, na festa de casamento, com muita coca, já podia se ouvir o choro dos primeiros filhos da geração coca cola.

A geração coca cola virou família! Como mandava o ensinamento de papai e mamãe, dedicaram boa parte do seu tempo adulto a trabalhar, trabalhar e trabalhar. Porque para os filhos, nada podia faltar. E nas prateleiras Coca Cola nada faltava para os filhos! As garrafas viraram pet, o papai noel cada vez mais luminoso, convidando para uma ceia astral, com trens mágicos de fumaça na época de dezembro, lançou a Coca Cola de 2 litros. Depois 2 litros e meio. Depois 3.

Agora ao invés do único televisor 24 polegadas que figurava na sala da família, a geração coca cola podia oferecer mais para os filhos! Muitas telas! Muitos computadores! Celulares! Ao contrário do único carro que o pai dirigiu na vida, os novos pais-coca-cola podiam trocar de veículo quase todo ano! Tinham financiado a casa própria, e se não podiam viajar, como mandava o figurino da fartura, pelo menos sonhavam com isso, abraçados às suas garrafinhas que lhe traziam tanta felicidade, no café da manhã, almoço e janta. Coca Cola aos domingos? Jamais! Ao contrário da escassez da infância que viveram, Coca Cola era agora item indispensável da lista de compras. Coca Cola era oferecida na mamadeira. Coca Cola era… A FELICIDADE!

Claro que com o advento da democratização da informação, começaram a ouvir que talvez aquele estilo de vida, ou melhor, bebida não fosse tão saudável assim. Não havia com o que se preocupar. Coca Cola havia inventado para eles outras alternativas, alimentos líquidos, com muitas frutas estampadas na embalagem. Coca Cola havia comprado fontes de água cristalina para vender engarrafada. Coca Cola havia pensado no problema crescente das embalagens e lançado até mesmo a Coca Cola para os naturebas. Havia Coca Cola para todos os gostos, à exemplo da antiga ação que a geração coca cola nem teve o prazer de vivenciar, quando da invenção da Fanta, para a alemanha nazista, que não podia beber a mesma coisa que os aliados, criou-se o refrigerante alaranjado.

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As mães Coca Cola apaixonaram-se pela internet. Ali podiam contar para o mundo como é que criavam seus filhos Coca Cola. E na televisão assistiam a homenagens maravilhosas, que pareciam ter sido feitas para elas. Coca Cola agora era mais do que um estilo de vida. Coca Cola era um estado de espírito. Juntas, corriam contra o câncer, com apoio da Coca Cola. Juntas, trocavam receitas de arroz feito com Coca Cola. Juntas, com Coca Cola, a geração Coca Cola podia agora deixar permanentemente no mundo, a marca de ter criado seus filhos, sob o olhar cauteloso dessa mega-corporação, mãe e pai, dos filhos da nova geração.

(*) Maria Clara é mãe de dois meninos, publicitária da terra da garoa e acompanha assiduamente os textos do Milc e teve um devaneio ao saber de certos eventos para mães realizados pelas grandes empresas.


Tags:  Coca-Cola consumismo consumismo infantil consumo marketing marketing infantil publicidade infantil sociedade

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Mariana Sá




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