Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Perdi as contas das vezes que coloquei a mão na cabeça ao ler um “erramos” que coloca a culpa do erro no denunciante. O da Vogue não seria diferente. Mas desta vez fiz um exercício de redigir eu mesma a nota que eu queria ter visto (You may say I’m a dreamer / But I’m not the only one). Leia e me diga se não sonha em ler um “erramos” como este um dia – vamos sonhar:
A “Vogue Brasil”, responsável pela publicação da “Vogue Kids”, em razão da constatação de que expôs crianças/modelos a uma situação completamente inadequada e descabida, vem a público desculpar-se e reconhecer que passou dos limites do bom senso e da legalidade no ensaio “Sombra e Água Fresca” da edição de setembro.
Apesar de seguirmos princípios jornalísticos rígidos, dentre os quais o respeito incondicional aos direitos das crianças e dos adolescentes, desta vez nos perdemos. Nossa intenção era retratar as crianças num clima descontraído, de férias à beira de um rio, mas os adultos responsáveis pela produção e fotografia acabaram posicionando as crianças da mesma maneira como posicionam mulheres. Na verdade, nossos profissionais de jornalismo e marketing, assim como nossos anunciantes, estão tão alienados que ninguém da equipe percebeu que aquelas poses objetificam, adultizam e sensualizam as pessoas, o que, quando se trata de crianças, é proibido por lei.
Estamos devastados por nosso editorial ter o potencial de estimular práticas prejudiciais aos menores, por isso acolhemos todas as críticas, mesmo as mais agressivas e violentas, pois entendemos finalmente o quão ultrajante é o resultado do ensaio impresso no papel revista. Lamentamos profundamente todo este episódio, que não contribui em nada para o desenvolvimento das crianças e que afeta a dignidade da pessoa humana. Diante do exposto, acolhemos de bom grado a determinação judicial de recolher os exemplares das bancas e de não recorrer da decisão em caráter liminar. Além disso, vamos requalificar todos os profissionais da nossa revista sobre direitos das crianças e direitos humanos.
Como nem só de desculpas vive a nossa imagem, faremos uma tentativa de reparação: decidimos publicar em todas as edições novos ensaios que retratem as crianças como são de fato; para isso conversaremos com todos os nossos anunciantes para que revejam suas estratégias de comunicação e linhas de produtos. E nos comprometemos a não mais fotografar peças de vestuário e calçados que não estejam afinados com os valores do brincar, do conforto e do ser criança.
Reiteramos, assim, nosso pedido de desculpas a todas as crianças, a todas a mulheres e a toda a sociedade, reforçando nosso total apoio à infância e ao brincar; nos comprometemos a nunca mais publicar textos que façam apologia à adultização e sexualização precoces.
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Infelizmente, esta não foi a Nota da revista de moda. Como todos os erramos que já li, a Vogue acusa o público de ser agressivo e de “não entender” que o clima era de descontração e não de objetificação de meninas.
Leia aqui a Nota verdadeira:
Ao invés de reconhecer o erro, de reparar os danos às imagens das crianças (e de seus pais que estão sendo acusados de irresponsáveis em todas as caixas de comentários) e de trabalhar internamente para que isso nunca mais se repita, acusa o público, a sociedade, os cidadãos e entidades que gritaram de expor essas crianças; eles se sentem ainda *no direito* de repudiar “as tentativas de associar a ‘Vogue Kids’ ao estímulo de qualquer prática prejudicial aos menores” e de “lamentar” pela reação do público açodada e agressiva que expôs as crianças. Ora, faça-me o favor!
Print do post da página da Vogue. Esta nota também foi publicada pela Folha de São Paulo em notícia sobre a decisão da justiça em caráter liminar que ordenou à Editora Globo o recolhimento dos exemplares.
Imagem Let them be little do Life.Love.Paper
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com
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