Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Ontem fui entrevistada por telefone por Marina Cohen do Jornal O Globo que queria saber a opinião do Milc sobre a polêmica campanha que coloca meninas dizendo palavrões cabeludos visando alertar para os prejuízos causados às crianças pelo sexismo. Dei a minha opinião de mãe, publicitária e cidadã. Não tenho a pretensão de exaurir o debate, mas de apenas contribuir para que seja iniciado: podem os publicitários colocarem crianças para falarem palavrão num vídeo? É uma prestação de serviço ou um desserviço fazer com que atores mirins encarnem uma adulta mesmo estando vestidas de princesa?
Assista aqui: Princesas Grosseiras – Potty-Mouthed Princesses com legendas.
É importante ressaltar quatro coisas:
1. É um filme que usa atores e atrizes mirins: não sabemos como é a legislação sobre trabalho infantil nos Estados Unides, mas a realidade é que atores e atrizes mirins – aqui e nos Estados Unidos – fazem papéis muito menos nobres e são colocados em poses e com falas que pouco ou nada tem a ver com infância. Para mim, este é o único ponto que me incomodou, porque sempre questiono peças publicitárias que colocam crianças em situações que não condizem com a infância. E realmente o linguajar utilizado pelas atrizes é inadequado à sociedade.
2. É um filme dirigido aos adultos: conversa diretamente com pais e professores, que diretamente educam e incidem sobre as crianças e iniciam a estereotipação de gênero e promovem (ou não) o diálogo sobre sexo e estupro junto às crianças e adolescentes; endereça o alerta também aos políticos, agentes públicos e empresários que legislam, fazem políticas de proteção e aplicam leis, além de empregar mulheres de maneira pouco equitativa, o que influencia diretamente em como as meninas e meninos são educados de maneira diferente; dirige-se até mesmos aos adultos sem contato direto com crianças ou políticas, aqueles estranhos que encontramos na fila do pão ou no elevador e que se sentem no direito de fazer observações machistas em relação ao comportamento ou vestuário de crianças que sequer conhecem. E adultos são capazes de lidar com palavrões. O vídeo seria totalmente inadequado se fosse uma comunicação dirigida às crianças.
3. É um filme utilidade pública: é claramente uma publicidade de utilidade pública, tem caráter convocatório e educativo e pretende ser uma prestação de serviço. O filme nos convoca a pensar sobre os sexismos sutis e explícitos do cotidiano; e é educativo por nos mostrar como pequenos hábitos e frases que dizemos às meninas fortalecem o machismo. Vai na mesma linha de outras iniciativas do movimento social, dos governos e das entidades de terceiro setor que usam algo polêmico para chamar a atenção para uma temática.
4. É um filme que funciona: deu bons resultados a estratégia de chamar atenção para algo inaceitável na sociedade – meninas vestidas de princesas falando palavrões – para afirmar que é muito mais grave a maneira como a sociedade se comporta em relações a elas. Estamos aqui no Brasil debatendo a polêmica contida num filme de Ohio/Estados Unidos que foi produzido visivelmente de maneira barata e o tema sexismo ganhou uma página de jornal impresso. O filme usa a nossa capacidade de indignação em relação ao comportamento das meninas (e do menino) para nos levar a constatar que realmente pior que as maneiras das meninas no vídeo é a forma como as tratamos. Obviamente não será um filme barato ou caro, polêmico ou formal, que irá dar conta de reduzir ou acabar com o machismo, mas cada ação é importante.
Resta saber se vamos debater o sexismo real da nossa sociedade, se vamos ou apenas a pertinência ou não de expor princesinhas falando palavrões na internet.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com
Tags: machismo polêmica proteção à infância sexismo