Texto especial para o Milc de Manu Melo Franco*
Fui criada numa fazenda escondida entre as montanhas do interior de Minas Gerais. Meus brinquedos, desde sempre, foram cachorro, vaca, insetos, flores, terra, rio e tudo aquilo que minha curiosidade quis explorar nesse vasto universo natural. Minha memória nunca me negou o sentimento de gratidão aos meus pais por ter me dado essa infância livre e linda. E essa gratidão hoje ganhou braços que acolhem meus filhos quando tento proporcionar a eles um cadinho daquilo que tive.
Antes de engravidar do Tomé, hoje com três anos e meio, sempre ouvi das pessoas o quão caro e trabalhoso era cuidar de uma criança, mesmo com tanto amor envolvido. Mas acho que meus ouvidos seletivos preferiram se ater à parte do amor demais. Nunca consegui imaginar como um ser tão pequeno poderia consumir tanta grana se o que ele mais precisa da gente é atenção, zelo, carinho, respeito e amor. Também nunca descobri onde e por quanto se compra cada uma dessas delícias!
O bichinho nasceu e fomos, eu e meu companheiro, fechando nossos ouvidos pras necessidades criadas/impostas pela mídia, amigos, familiares e todas as outras pessoas que se sentiam pais do nosso filho sem nem conhecê-lo. Achamos mais sensato olhar pra Tomé e perceber o que ele realmente nos dizia, o que ele de fato precisava. Marinheiros de primeira viagem e desapegados por muitas outras, entendemos que a grande parte das respostas da maternidade poderia ser dada pela própria criança, ao menos em nosso ninho. Tão mais simples do que pensávamos, tão mais bonito do que nos foi dito.
Acho que posso contar nos dedos quantas peças de roupa ou brinquedos modernos que fazem mil barulhos trouxemos pra dentro da nossa casa. Infinitamente maior foi o número de coisas que reciclamos de amigos desapegados também. As melhores coisas da vida não são coisas e, quando não podemos fugir delas, optamos por fazer essa energia circular o máximo que podemos.
A vontade latente de dar a possibilidade de escolhas aos nossos filhotes foi um empurrão para uma vida afastada das grande cidades. Grávida de sete meses da Nina, hoje com um ano e dois meses, arrumamos uma mala de roupa pra cada um, doamos todo o resto que tínhamos e seguimos rumo à uma vida mais simples na Chapada Diamantina/BA.Lá, onde a loja de qualquer coisa mais próxima ficava a 15 quilômetros da nossa casa, aprendemos a reconhecer nossas reais necessidades de consumo e entender que não precisávamos nos privar de nada, mas tínhamos criatividade e vontade suficiente para nos reinventar. Vivemos na prática a máxima por vezes tão distante do “menos é mais”, não sei medir o quão grande isso pode ser e foi. Começamos por nós, os pais, reaprendendo a nos alimentar e plantar nosso próprio alimento, a usar a água de forma mais consciente, a trocar com os vizinhos ao invés de usar o dinheiro para comprar. Sentimos que para propor aos filhos uma outra forma de se relacionar com o consumo, teríamos que ser essa possibilidade, de outra forma seria hipocrisia, ao nosso ver. E foi lindo acompanhar nossa criatividade sendo elevada à décima potência, assim como um questionamento banal: mas porque não fazíamos isso antes?
Tomé e Nina foram crescendo como bichos soltos no mato, na terra, na água. Livres, saudáveis, caindo e aprendendo a se levantar, se perdendo e se encontrando, rindo e chorando, escolhendo. As brincadeiras tomaram o lugar dos brinquedos e, os poucos que tinham, chegavam pela mala dos que nos visitavam. Nada foi proibido ou negado, sentimos que nosso dever era educar oferecendo escolhas e plantando consciência, assim é até hoje.
Saímos da nossa bolha verde na Chapada e estamos a caminho do nosso próximo destino, bem parecido com esse primeiro. Mas aqui ainda é uma cidade “normal” onde o consumo exacerbado é quase um membro da família. Mesmo numa casa bem afastada do centro, começamos a viver o dilema desse conflito entre o que as crianças tem dentro de casa e o que o mundo lá fora mostra o que elas materialmente não tem ou “deveriam” ter.
Mais uma vez estamos, os pais, redescobrindo uma forma saudável de viver essa volta sem ter que associá-la a um regresso. A hora é de nos manter firmes em nossos conceitos/valores e reafirmar que a vida é feita de escolhas. Não há certo ou errado, pode ou não pode, apenas diferenças e consciência no momento de buscar o melhor pra si.
Ainda assim sentimos que a luta contra o consumismo é pesada e insistente, que as crianças estão muito mais vulneráveis a um emaranhado de necessidades inventadas e que enchem os olhos com cores, formas, luzes, tecnologias e sons atraentes. Mas sentimos também que eles conseguiram assimilar muito do que viveram esse tempo próximos à natureza, que ainda amam andar descalças e sem roupa, que ainda preferem correr atrás das borboletas à brincar de jogos no computador.
Sentimos que esse tempo de “guerra” está sendo super rico também, aumentando a certeza de uma infância livre do consumismo e muito mais feliz. Agora nos preparamos para voltar à terra, para oferecer uma educação alternativa e regada à respeito e amor. Sentimos que nossos filhos são seres mais completos assim, eles nos contam isso o tempo todo. E, se eles estão bem com o que temos oferecido, quer dizer que o caminho tem sido florido, quer dizer que seguiremos até que a vida nos proponha outras estradas!
* Manu é mãe do Tomé e da Nina, jornalista quando eles dormem, namorada da fotografia desde sempre. Companheira do Hugo, que é um pãe, e editora do blog “Notas sobre uma escolha”. Adoro clichês, amores genuínos e o constante exercício de melhor todo dia quem se
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