brinquedos e marketing / criança e mídia / 29 de janeiro de 2015

Quem precisa de personagem?

Texto especial para o Milc de Mariana Sá*

Vou logo respondendo: eu! Eu adoro e preciso dos personagens. Adoro personagens nas telonas dos cinemas e nas telinhas. Sou fã das grandes e das pequenas produções. Admiro a inteligência e o talento dos profissionais e artistas que se dedicam a estabelecer um diálogo com as crianças. Acredito que uma criança que tem acesso à nossa produção audiovisual contemporânea tem perfeitas condições de acumular repertório que pode servir de base para outros vôos mais complexos nas artes.

Quando avaliamos as produções mais recentes, não tem como não virar fã: filmes como Frozen, Valente, Lego, Malvado Favorito, Megamente, entre muitos outros são doces demais e deixam mais lúdicos temas muito importantes. O beijo entre as irmãs em Frozen é maravilhoso para desfazer este estigma de que mulheres são competitivas entre si, por exemplo. A relação entre os pais de Pepa é maravilhosa para conversar sobre divisões de tarefas domésticas, tema especialmente importantes para a vida na complexa contemporaneidade.

Eu preciso do lado lúdico dos personagens, assim como preciso dos livros de história, das exposições artísticas, da dança, do teatro e da música. Preciso das produções que suprem esta necessidade de entretenimento e lazer (e cultura, por que não?), mas não preciso da cara deles estampada na caixa do empanado de partes duvidosas do frango ou do macarrão instantâneo para fazer meus filhos comerem. Aliás nem quero que meus filhos comam estas coisas onde os nossos personagens queridos estão estampados.

Eu não preciso, as mães e pais não precisam e, mais importante, as crianças não precisam disso.

Crianças não necessitam que o seu personagem diferencie ou avalize produtos iguais entre si. Se o xampu é bom, deixe que os adultos escolham aquele que lava melhor, deixa os cabelos bonitos, não dão reações alérgicas, não prejudicam a pele, nem poluem o planeta.

Para não dizerem que sou fanática-sectária-radical, eu poderia aceitar bem a existência de linhas de brinquedos, de colecionáveis, e forçando bem a barra conseguiria conviver com alguns utensílios de papelaria e de confecções texteis, sei lá, contanto que a publicidade sobre estes brinquedos, cadernos e toalhas não apareçam nos intervalos da tevê ou nos “informes publicitários” das revistinhas. 

Se as crianças não precisam, se as mães e pais não precisam, quem precisa?

O artista? (sim, porque o ilustrador, redator, animador, etc, que faz este tipo de produção é muito mais que um profissional).

Colocando-me do lado dele , imagino como deve ser gratificante ver o seu “filho-personagem” cair nas graças dos nossos. É o sonho de qualquer artista ser remunerado pelo conteúdo que produz. É o cantor receber a grana do CD. É o bailarino ver a platéia lotada e dividir com os demais profissionais o cachê do show. É o escritor que recebe a sua parte na comercialização do livro. É o animador que recebe a bilheteria do cinema, os royalties dos canais de tevê e a parte dele na comercialização dos DVDs.

– Ah! – me diriam – mas você está sendo muito ingênua… Apenas esta grana não é suficiente para sustentar a Disneilância, a Pixar, a Marvel, a Mauricio de Sousa Produções: para garantir aquela quantidade de emprego, precisa colocar Elsa na mochila e Monica no macarrão instantâneo… Não dá para viver só de preço de capa e de ingresso.

E eu respondo: o que significa “viver”? Porque eu vejo ao meu redor, cantores, atores, animadores, bailarinos, artistas de circo que vivem sim. Que vivem da receita que aferem da sua arte… Muitos vivem com muito pouco, mas os vejo felizes dando nó em pingo d’água e satisfeitos e ser reconhecidos pela sua boa arte e não pela sua capacidade de negociar sua criação com grandes corporações.

Mas então tem os artistas QUEREM viver melhor… Querem viver sem malabarismos financeiros para pagar as contas, ou querem parar de depender da grana dos editais públicos dos programas de incentivo à cultura.

Fico aqui a imaginar o artista realmente deseja, sonha, vibra com a possibilidade de ver o personagem a quem deu vida estampando um tubo de biscoito recheado ou aninando as crianças a consumirem “porcareetos” sabor queijo… Imagine comigo…

Daí me pergunto: o que aconteceu com o autor? O que aconteceu com a autoria? Qual o problema de viver da sua arte apenas?

Será que há vida fora do licenciamento de lixos para crianças?

Mirem nos adultos, pô! Façam como Quino que licencia agenda para adultos! Qual o problema de ganhar menos e proteger as crianças?

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Tirinha de Armandinho, que espero não ver tão cedo na embalagem de água açucarada e outros veneninhos infantis, mas espero ver em agendas, calendários, canecas e outros itens para adultos.

Imagem da web.

PS: outro dia vi uma agenda linda da turma da… daquela personagem… aquela que faz parte da turminha que me divertia na infância… sabe qual a personagem? enfim… era uma linha retrô, pra adultos, era perfeita. Eu compraria se o autor não fosse este ser das sombras que permite que a mesma personagem esteja no invólucro das piores porcarias alimentícias que existem na face da terra para consumo humano…

(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com


Tags:  arte infância licenciados licenciamento personagem produtos proteção à infância

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Mariana Sá




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