Texto especial para o Milc a partir de um relato anônimo chegado na caixa de mensagens de Mariana Sá*
E todos os confeitos caíram no chão. Era aqueles confeitos que vêm num tubo com ventilador na ponta. Era uma caixa de tubos de confeitos com a estampa de pássaros zangados.
– Foi aquele menininho quem derrubou!
– Não se faz mais mãe como antigamente!
– Estas jovens não sabem educar: nem deviam colocar criança no mundo!
– Tá pensando que ter filho é igual a brincar de boneca?
E o menininho dá um passo atrás, coloca a mão na cabeça e diz baixinho “eu sou um idiota!”.
– Mas eu ouvi ela dizendo para ele não colocar a mão…
– Se vê que não sabe dar limite.
– No meu tempo bastava um olhar.
E a mãe se abaixou para catar cada uma daquelas peças coloridas.
– E bastou! Vocês não viram a cara menino coitado, ela não falou nada. Só olhou pra ele.
– Ela deve ter ficado com muita raiva pela desobediência.
– É mesmo assim não gritou…
– Devia ter gritado, dado um palmada e obrigado ele catar. Assim, quem sabe?, aprendia…
– Eu não teria coragem de gritar com ele: visivelmente a lição estava dada…
A mãe arrumou como pode a caixa de tubinhos e disse para caixa:
– Olha, ele derrubou tudo e eu arrumei como pude. Se vocês quiserem manter arrumado, tirem da altura das crianças.
Ela deu as costas e saiu sem as compras. Mas ao voltar conseguiu ouvir as três senhoras já de costas:
– Realmente coisas coloridas como estas são uma tentação para crianças pequenas…
– E crianças pequenas são mesmo desastradas…
– E é querer demais manter as coisas em ordem quando são feitas de maneira a chamar atenção das crianças…
– Nem a melhor educação do mundo é capaz de mitigar tanta sacanagem…
Repensou sua raiva dos brinquedos-doce caídos e ajoelhou na altura do filho: “não é culpa sua, está tudo bem. Vamos comer nosso pãozinho?”
A mãe virou para trás e viu que o gerente da padaria, seu velho conhecido, observava com ar sério os pirulitos mal arrumados na prateleira:
– Obrigada, seu gerente da padaria, por me dar a oportunidade de – através da minha raiva – perceber que “somos todos responsáveis”. E que nem você, nem as indústrias que fabricam e marketeiam para crianças estão fazendo a sua parte. Aguardo seu agradecimento por ter devolvido suas porcarias às prateleiras, fazendo a minha parte.
Não direi “não” ao meu filho! Direi não a vocês todos, mascates dos tempos modernos, que não respeitam a criança!
Nenhum criança será repreendida por derrubar confeitos que fazem mal à saúde, licenciados com personagens, colocados estrategicamente nos mercados da vida para transformá-lo cada vez mais cedo num zumbi consumista. Nenhum criança será castigada!
Nota da Editora: precisamos pensar sobre como as crianças são bombardeadas cotidianamente. Mães e pais atentos sabem que nenhuma proteção é suficiente: não existe bolha! Não queremos bolha! Queremos que nossos filhos tenham o direito de ir e vir sem ser interpelados por marketeiros, publicitários e comerciantes sem a nossa autorização prévia. A publicidade infantil é clara na tevê e nas revistinhas, mas está escancarada nos pontos de vendas com as suas arrumações cinicamente pensadas para estar ao alcance da mão de qualquer criança pequena. Precisamos rever isso! (*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.Tags: licenciados licenciamento marketing ponto de venda publicidade infantil