Aconteceu dia 24/11 o evento de lançamento do relatório “As crianças na mira da indústria do tabaco” com palestra de Regina Blessa reconhecida especialista em marketing, no Rio de Janeiro
O objetivo do relatório é denunciar as estratégias agressivas utilizadas pela indústria de tabaco para atrair crianças e adolescentes para o consumo de seus produtos. Propagandas de cigarro foram banidas da tevê no Brasil e hoje já sabemos que, sem sombra de dúvida, trata-se de um produto nocivo à saúde e que o hábito de consumo está ligado intimamente a vários tipos de câncer. O fato de já conhecermos os efeitos nocivos do cigarro, mais letal do que era há 50 anos atrás nos inibe. A consciência de que podemos ter sérios problemas de saúde que nos levarão à morte nos inibe, as leis antifumo e os locais restritos para fumo nos inibem. Fomos deixando aos poucos de fumar mais ainda assim fumamos (o número de fumantes no Brasil caiu 30,7% nos últimos nove anos segundo o Instituto Nacional do Câncer) e, o que mais preocupa, os jovens ainda fumam. Segundo o relatório a maioria dos fumantes começou a consumir tabaco antes dos 18 anos. Por que será?
Se a propaganda nos veículos de comunicação está banida, se as pessoas estão mais conscientes das consequências nefastas do cigarro, como a indústria se mantém de pé? Acertou quem pensou: Com dinheiro, muito dinheiro. Mesmo sem poder anunciar a persuasão da indústria do cigarro é bem forte e atua diretamente nos pontos de venda. Segundo a Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), somente nos Estados Unidos são gastos anualmente 8 bilhões de dólares para estimular a venda de cigarros. Com bastante dinheiro um ponto de venda como um bar, supermercado, uma banca de jornal, vira um outdoor de primeira.
Segundo Regina Blessa, as táticas de exibição de cigarros em pontos de venda devem ser consideradas como publicidade. Concordamos. Para Regina “ Ponto de venda = mídia”, ou seja, são veículos de mídia o material de propaganda, o display e, é claro, a própria embalagem. “ Quantas embalagens de cigarro vocês vêem durante o dia, no trabalho, no bolso dos amigos, nos restaurantes? ” – pergunta Regina. A embalagem é a melhor propaganda.
Já reparou? Nos lugares citados estão sempre expostos, junto com o cigarro, brinquedos e guloseimas. Ou seja, nos pontos de venda cigarro e bala tem a mesma destinação, seduzir a criança que é consumidora de balas hoje e de cigarro, quem sabe, amanhã. Assim em um ponto de venda aparentemente inocente vemos a mensagem do hábito de fumar sempre em destaque. “ Os displays de cigarros são iluminados, piscantes, sofisticados e para piorar estão localizados no meio de doces, brinquedos e guloseimas. ” Diz Regina.
Visualize a seguinte cena: Uma mãe entra com o filho no supermercado para comprar dois litros de leite, seis pães e um pedaço de queijo minas para o lanche da família. Em casa ninguém fuma, mas a criança espera na fila olhando curiosa as mercadorias colocadas ao redor da fila do caixa (não por acaso apelidada de curral) registrando em sua mente todas as embalagens coloridas que vê, entre as quais está o cigarro. A caixa de vidro luminosa com cores atraentes do produto a indústria do tabaco já estará impressa em sua mente quando a mãe passar pelo caixa. Ainda que um adulto não compre nem fume ao seu lado, a ideia do maço colorido de cigarro não lhe pode mais ser suprimida. Ponto para a indústria. Acaba de ser aberta uma porta para a manutenção do lucro da indústria no futuro, para o fumante do futuro, o usuário do serviço de saúde do futuro, a morte prematura do futuro.
No Brasil, a Lei 9.294, modificada pelo Artigo 49 da Lei 12.546, regulamentada pelo Decreto 8.262 proíbe a publicidade, promoção e patrocínio de produtos de tabaco mas excetua explicitamente a exposição de produtos nos pontos de venda. Aproveitando a exceção legal do ponto de venda é fácil verificar a ocorrência de uma conduta abusiva por parte da indústria quando verificamos a ocorrência de 10 práticas condenáveis em toda a América Latina:
1- Localização próximas de doces e produtos para crianças;
2- Displays com iluminação, cores e imagens chamativas;
3- Localização na altura da visão das crianças;
4- Uso de ‘power walls’ paredes cheias de maços de cigarros;
5- Promoções, concursos e brindes;
6- Anúncios com mensagens e imagens atraentes;
7- Exibição de maços de cigarro com embalagens e sabores atrativos para crianças;
8- Exibição de publicidade em pontos de vendas não tradicionais;
9- Localização em lugares de muito movimento nas lojas (checkout);
10- Utilização de objetos com cores e logos das marcas.
As práticas acima listadas são explicitadas no relatório publicado. Uruguai e Panamá são dois exemplos bem-sucedidos de proibição destas práticas nos pontos de venda e bem poderiam ser seguidas por aqui.
Da próxima vez que estiver numa fila de caixa com seu filho ou filha, preste atenção nas sutilezas por trás da disposição dos produtos a sua volta. Lembre-se que não existe ingenuidade na disposição daqueles produtos e repare em como o cigarro está sempre à vista das crianças. Elas são sempre o alvo. O alvo é sempre a parte mais fraca.
*Vanessa Anacleto é revisora, blogueira, co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo , Conselheira Escolar, membro da Rebrinc e perdeu 3 dos seus avós para doenças decorrentes do uso de cigarro.
**Conheça a íntegra do relatório através do site http://livredefumo.org.br/limitetabaco/
*** Publicado originalmente em http://rebrinc.com.br/
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