brinquedos e marketing / 28 de dezembro de 2017

LOL Doll: “Qual é a graça?” x “Qual é o problema?”

Texto especial para o Milc de Mariana Sá*

Adultos Brasil afora estão divididos: parte não entende qual a graça desta nova moda no mundo dos minibrinquedos de plástico colecionaveis, a LOL Doll, e a outra parte não vê qualquer problema em proporcionar uma alegria às crianças, mesmo que custe caro, ou em dizer “não” diante dos apelos dos filhos. Afinal, “é só mais um brinquedo e basta que os adultos tomem posição e decidam sobre o consumo” ou “nada de novo desde a fofolete, nada de novo desde os reclames do tipo ‘eu tenho, você não tem’”.

 

Tem graça, sim! Criança não é bestal!

 

  1. Efeito fofolete: perdemos a conta de quantas ‘miniaturas colecionáveis’ já estiveram na moda. Pela quantidade disponível nas prateleiras, é fácil entender que vende e vende porque tem graça, porque as crianças gostam, porque os adultos compram, porque até os adultos curtem! Para uma mãe ou pai, ou avó, ou tia que se assusta com a quantidade de horas que as crianças queridas passam imersas numa minitela vê-los encantados com algo tão singelo como uma miniboneca que troca de roupa, cospe e muda de cor é até um alento.

 

  1. Efeito kinder ovo:  Surpresa é o ingrediente a mais da Doll, em relação às outras, como a veteranas polly, por exemplo. E o efeito brinde, aquela sensação que comprou a boneca e ganhou algo a mais (a bola que vira casa, os acessórios). Ver crianças que passam horas em joguinhos bobinhos com os olhos brilhando enquanto descascam camadas e mais camadas para descobrir qual bonequinha está dentro de uma bola é empolgante.

 

  1. Montagem e personalização: Peças intercambiáveis que são descobertas a cada camada uma pecinha… No final uma boneca fofa montada pela crianças: com duas ou mais bonecas é inevitável não fazer trocas de roupa, sapato e acessórios, tornando cada boneca única. E mais: tem toda uma diversidade de formatos de corpo, cor de pele e penteado.

 

Tem problema, sim! O principal é que os adultos são bestas!

 

E não são bestas por comprarem o brinquedo. Nem são bestas por pagarem o preço exorbitante cobrado no Brasil: aqui está em funcionamento pleno da lei da oferta e da procura. O preço não é a soma de quanto custa para produzir somado aos impostos e ao lucro de quem vende (não é tão simples assim!).

 

O preço é quanto algo vale: o mercado cobra por um produto quanto as pessoas – aqui, na Europa, nos States ou em Dubai – estão dispostas a pagar pelo objeto. E aqui parece que estão disposta a pagar mais, mesmo que seja dividindo em 10 vezes no cartão ou pedindo para alguém trazer de fora. E não é por pagar caro que digo que os adultos são bestas: afirmo com todas as letras, sem medo de errar, que os adultos são bestas porque permitem que seus filhos assistam e se viciem em canais de unpacking. Permitem, não acompanham e não problematizam!

 

E a consequência é uma horda de crianças pequenas ansiosas por:

  • se tornar estrela youtuber, e
  • abrir e se encantar com infinitos brinquedos.

 

Ser o protagonista de canal de youtube famoso é tão improvável quando um menino que joga bola direitinho virar um neymar no futuro. E é provável que para vivenciar algo que “todos os amigos” vivenciam nos seus quartos todos os dias, só resta abrir brinquedos. E pedir esses brinquedos aos pais já que não ganham dos patrocinadores.  

 

O que a LOL fez foi gritar para quem ainda não tinha ouvido falar de unpacking e a sua perversidade! Se por um lado (bom!) a LOL não tem a indústria do entretenimento para apoiar sua estratégia de venda por não ser personagem de filme disney ou desenho discovery, a LOL se apoiou na vulnerabilidade de crianças ao redor do mundo para se transformar nessa febre: nas crianças que trabalham para anunciar seus produtos e nas crianças que assistem e se tornam cativas por este desejo de abrir, abrir e abrir! 

 

Os adultos precisam deixar de ser bestas: precisam restringir, acompanhar e problematizar os canais de unpacking. Sabe por quê?

 

  1. É ilegal! Usa o um princípio básico da propaganda: a criança se comunicando com criança. Criança, pet e mulher quase pelada são as estratégias mais antigas e baixas usadas em propaganda para vender produtos, serviços e ideias. Tanto que no Brasil é proibido (pelo Legislação vigente e até pelo próprio Conar) usar criança para fazer sugestão de uso de produto.

Artigo 37 – Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. E mais: I – Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação a segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de: f) empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto” (Código de Autorregulamentação Publicitária, Seção 11, artigo 37, f);

 

  1. É imoral! O mercado está usando como livre de qualquer regulação e ética o território da internet, pior os canais protagonizados por crianças na internet. Se por um lado precisamos garantir um certo protagonismo infantil e é ótimo que crianças tenham voz, por outro, o mercado usa crianças (com a autorização dos seus pais) para burlar a legislação brasileira. E é quase impossível saber quem está falando espontaneamente sobre um brinquedo e quem está sendo pago ou recebendo brindes para emitir aquela opinião. O mercado está usando brechas para que o Conar e o Procon não os alcance.

 

  1. É desigual! A princípio parece um problema de pessoas privilegiadas (típico do meme classe média sofre), afinal, quem pode desembolsar tais valores para comprar esse brinquedo seja no Brasil ou viajar pra adquirir fora? Mas não é tão simples: com a internet cada dia mais popular, o assédio do faz com que o desejo pelo abrir, abrir e abrir alcance também crianças cujos pais terão que negar, e não por convicção, mas por falta de escolha… Se poucos podem comprar, muitos sentirão o efeito do assédio versus privação em suas cabeça a médio prazo.

 

  1. É um mistério! O fato é que não entendemos bem o mecanismo que faz com que as crianças se conectem tanto com estes youtubers (seja os de unpacking ou de jogos). Não entendemos bem porque nossos filhos adoram assistir outras crianças abrindo pacotes… Afinal, não sabemos por que youtubers mirins estão virando celebridades, se o único intuito é despertar o desejo e reacender a máxima cruel da publicidade: “eu tenho, você não tem”. A única coisa que sabemos é que, putz, funciona! E como funciona!

Daí fica até difícil de continuar achando esse brinquedo legal: se cada real é um voto, será que alguém se sente bem sabendo que “votou” numa empresa que utiliza esse tipo de estratégia perversa para anunciar seus produtos? Na verdade, fica até difícil encontrar nas prateleiras alguma que não o faça…

 

Se havia qualquer dúvida sobre o funcionamento cruel do unpacking, não há mais!

 

Então nosso apelo, como ativistas pelos direitos das crianças, inclusive a uma comunicação mais ética, é esse: boicotem esses canais! Existem poucas coisas tão perniciosas para crianças na internet que esses canais de unpacking! E parece que o Estado – como sempre – não vai agir, não vai proteger nossas crianças: estamos sozinhos como mães, pais e profissionais nessa batalha, temos que nós mesmos proteger nossas crianças.

 

Professores, por favor, problematizem esse tipo de conteúdo de mídia com seus alunos, mesmo os menores… Façam reuniões: falem com os pais sobre a importância da restrição. Insistam!

 

Pediatras, médicos e psicólogos, por favor, conheçam mais sobre esse assunto, estudem, e por uma questão de saúde e educação, recomendem às famílias a restrição, com veemência. Vocês têm uma grande influência e podem contribuir muito para melhorar essa situação.

 

Mães e pais, é hora de se posicionar firmemente contra esses canais: block neles! Boicote! Block! Esses youtubers e intagramers não podem ser os melhores amigos dos nossos filhos… Ar livre, natureza, rua, amigos de carne e osso, brincadeiras com o corpo precisam estar na nossa agenda e na nossa lista de prioridades: chegamos no ponto que temos que proporcionar, incentivar, promover esses momentos! E aproveitar para vivê-los também: nós, adultos também, estamos carentes disso.

 

A LOL é apenas um sintoma dessa doença: mais foco na mídia que no brinquedo. Adultos deixem de ser bestas e juntem-se ao Milc neste apelo! Falem sobre esse assunto e clamem por um boicote total aos canais de unpacking.

 

A imagem do destaque foi encontrada na busca ‘unpacking lol doll’: por princípios procuramos não expor crianças (mesmo as que já estão expostas) então escolhemos esta, mas gostaríamos de pedir que fizessem essa busca e que explorassem um pouco as caras e bocas que as crianças  fazem (ou são obrigadas a fazer?) para demonstrar (ou fingir?) surpresa e afetação diante do brinquedo… Às vezes nem parecem crianças, mas precisamos nos lembrar que são. Às vezes parece que estão se divertindo, mas estão trabalhando.

 

(*) Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.


Tags:  autorregulamentação block boicote brinquedos marketing mídia proteção à criança proteção à infância publicidade regulamentação trabalho infantil unpacking

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