Texto de Camila Goytacaz*
Antes de mais nada, deixe-me contextualizar. Sou Camila Goytacaz, jornalista, 35 anos, mãe de Pedro Luis, 4 anos, e Joana, 1 ano. Se antes da maternidade eu já era uma pessoa sociável, depois de ter o Pedro fiz ainda mais amigos. Nas sessões do CineMaterna, nos parques e praças da cidade, nas aulas de música, dança e outras atividades para bebês, Pedro e eu entramos para várias turmas enquanto desbravávamos São Paulo. Com tantos amiguinhos novos, não é de espantar que aparecessem muitos aniversários. Praticamente todos os finais de semana somos convidados para pelo menos uma (quando não coincidem quatro ou cinco na mesma data) festinha de criança. E, com esta intensidade de eventos, encaramos frequentemente duas rotinas delicadas em relação às festas: uma antes, a do presente, e uma depois, a da lembrancinha. É sobre estas duas pontas da festa que quero falar. Eu poderia escrever sobre a comida, a música, o local, os monitores, poderia contar coisas absurdas e inadequadas que já tive o desprazer de ver nos últimos anos, assim como coisas maravilhosas que me fizeram suspirar. Mas vou me ater a estes dois assuntos que já rendem bem.
O presente
O hábito mais frequente é que os presentes sejam depositados em uma caixa de papelão antes de o convidado entrar na festa. Nesta hora sempre me sinto agoniada, como quem despacha uma encomenda pelo correio: fico insegura se o presente chegará ao dono ou se será interceptado e fico triste por jamais ver a reação da criança (ou, ao menos, da mãe) ao abrir o que escolhi com tanto carinho. Muitas vezes a dúvida persiste para sempre. Em outras, a mãe tem o bom senso de enviar uma mensagem sinalizando que viu, recebeu, gostou. Entendo a praticidade envolvida (é confuso deixar a criança abrir cada um dos presentes durante a festa), mas lamento a frieza adotada. Já o costume menos frequente e mais bonito que conheço começou recentemente na turminha da escola. Junto com o convitinho, veio o recado: “não precisamos de presentes! Traga um brinquedo USADO que seu filho não brinca mais e ficaremos felizes”. Usado? Não preciso sair correndo para comprar? Não preciso quebrar a cabeça e esvaziar o bolso para escolher algo para uma criança que tem tudo? Não. A reciclagem de presentes é simples, divertida e muito prática. Em inglês, é o chamado Re-gift (algo como re-presentear). Eu e Pedro simplesmente vamos até o baú de brinquedos aqui de casa e escolhemos alguma coisa para dar. A embalagem surge da nossa imaginação. É divertido improvisar, fazendo embrulho de papelão pintado com giz de cera ou enfeitando com fitas coloridas. Não temos obrigação de ter a tal etiqueta com prazo de troca nem nada que indique que o produto é novo. Não é novo! A ideia é nova, e esse é o grande barato! Já fomos a duas ou três festinhas assim – porque mães legais copiam mães legais – e tem sido incrível. As crianças abrem os presentinhos que estão sendo repassados sem nenhuma ressalva ou constrangimento, às vezes brincam, às vezes doam para outras crianças, e tudo se movimenta sem que ninguém gaste nem um real. Dá para fazer o mesmo com roupas e até sugerindo aos convidados que tragam presentes feitos pelas própria criança, como desenhos e colagens. Ou fazer como uma amiga, mãe de duas meninas, que disse não ao mundo dos presentes-cor-de-rosa e pediu fraldas e leite para doar a uma creche. Festa assim é boa demais, com menos consumo e mais diversão!
A lembrancinha
Depois de curtir a festa e comer um monte de docinhos, tudo que meu filho não precisa é ganhar um saquinho cheio de balas, pirulitos, chicletes e outras porcarias, disfarçado sob o romântico nome de “lembrancinha”. Aqui em casa o apelido é bem menos atraente: chamo o saquinho de kit-cárie. Não temos pena de arremessar diretamente na lata do lixo, mas dá um trabalhão explicar para a criança que não é legal, faz mal, gruda nos dentes, é péssimo para a saúde, então aqui suplico, ó mãe que está a organizar a festa do seu filho: diga não ao kit-porcaria! Se você quer muito dar algo às crianças na saída, que tal simplesmente encher a embalagem fofa que idealizou com figurinhas coloridas? Ou atacar de mãe-retrô e usar a boa e velha dupla língua de sogra-chapeuzinho de papel? Bolinha de sabão? Confete? Apitos? Nariz de palhaço? Brinquedinhos inofensivos? São inúmeras as possibilidades! Seja criativa e dê algo que faça sentido dentro da ideia original: que a lembrancinha remeta a algo bom da sua festa. Neste quesito já ganhamos lindas mudinhas de plantas, chapéu de mágico e outras coisas lúdicas, porém baratas. Uma doce lembrança, mas sem doce, por favor!
Agora o pior: em algumas festas (as do povo que nunca ouviu falar em consumo consciente), além do famigerado saquinho de porcaria, a criança ainda leva um presente. Tudo bem, se você quiser dar uma coisa singela, que tenha a ver com o tema da festa, vá lá, mas aqui estou falando de utensílios de verdade. Aliás, não tenho vergonha em confessar: muitas vezes o “presente” que ganhamos é melhor do que o presente que demos! Há pouco tempo foi uma mochila, equipada com garrafa plástica, boné, lenço e várias outras coisas, caso o Pedro resolvesse repentinamente ir para a selva. Pelo menos foi o que entendi. Já ganhamos uma necessaire com shampoo, condicionador e sabonete. Sempre, claro, tudo devidamente adesivado com o nome do aniversariante e o tema da festa. Qual a razão de sugerir banho aos convidados? Não sei, até hoje não saquei. Em nossa coleção já temos sacolas, bolsas, cadernos, estojos e todo tipo de tranqueira utensílios temáticos que não precisávamos, mas, claro, aceitamos por educação. Fico me perguntando quantas mães não estão gastando o que não têm para presentear seus convidados com lembrancinhas valiosas e totalmente fora de propósito, como a tal mochila? Sem pensar sobre o assunto, as mães vão na onda, apenas retribuindo o que recebem quando são convidadas. E nessa roda de todos presentearem a todos, o consumismo faz a festa, o exagero rola solto, os fornecedores de porcaria itens lucram verdadeiras fortunas, mas, espere, e as crianças? Será que elas gostam destes presentinhos tão úteis? Necessaire? Sacolinha? Claro que não, né, gente, criança gosta é de brincadeira. Quem gosta de coisas “úteis” são adultos. Quer saber o que a criança faz questão de levar ao sair da festa? É fácil. Pare na porta dos buffets e observe. Elas saem pulando alegremente com uma bexiga nas mãos. Atrás, vêm mães e pais, carregando lembrancinha e presentinho e sentindo saudades das festas da nossa infância, que eram bem mais simples e felizes.
*Camila, 35 anos, jornalista e escritora, é mãe de Pedro Luis e Joana e vive em São Paulo. Desde o nascimento de seu filho passou a querer um mundo com mais brincadeiras e menos brinquedos, mais doçura e menos açúcar. Sobre as aventuras desta família e seus aprendizados, Camila Escreve.
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