Cheetos, nosso repúdio

Texto de Fernando Fortes* e Mariana Sá**

Na semana passada, vimos uma nova campanha do Cheetos no ar (http://www.youtube.com/watch?v=oIXZtxmM8Yw). Não bastasse ser um absurdo um canal infantil pago que tem como público principal crianças muito pequenas exibir publicidade de um produto alimentício péssimo para a saúde, o filme ainda traz outras péssimas mensagens do ponto de vista social e educacional.

Temos dois problemas neste caso:

1º O “Cheetos” fazer uma propaganda estúpida, machista, misógina e que estimula um comportamento desrespeitoso.

2º O Discovery Kids veicular essa propaganda (quer dizer, se passasse no intervalo da novela da Globo, seria machista e misógina, mas sempre alguém poderia dizer que as crianças – estes nossos queridos seres em formação – não deveriam assistir novela), mas o DK deveria ser um ambiente “protegido”. No nosso caso o que mais incomoda é o 2º item. Tudo bem que o canal estimule o consumismo e a obesidade infantis, afinal nada vem de graça, mas até o capitalismo selvagem deveria ter seus limites.

Em outros tempos, este filme poderia até entrar no rol das piadinhas publicitárias, se o produto não fosse condenável para crianças pequenas e se não estivéssemos vivendo numa sociedade machista em que a mulher é alvo de violência cotidianamente. É uma propaganda misógina, que apresenta a mulher – pior a própria mãe! – como alvo de “brincadeiras” de cunho sexual, mostrando a mulher como objeto e dando a entender que é correto e divertido um menino/homem abusar de uma mulher sem consentimento.

Não é apenas uma questão do “politicamente incorreto”; nosso repúdio encontra apoio no que foi combinado entre agências e anunciantes via Conar. O filme desrespeita vários dispositivos do Código de Autorregulamentação Publicitária:

– Artigo 37, caput, porque o filme não se apresenta como “fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes.”

O filme também desrespeita o disposto no seu parágrafo I, pois não visa “refletir cuidados especiais em relação à segurança e às boas maneiras”, afinal a atitude do menino de mirar na própria mãe é muito mal educada e não contribui para a formação de um cidadão responsável, com boa maneiras.

Além disso, não obedece às alíneas A e C, pois desmerece valores sociais positivos, além de desrespeitar a pessoas, neste filme, o pai, a irmã e a mãe; e associa crianças a uma situação incompatível com sua condição, socialmente condenável, que é agir com violência contra a mãe.

Há desobediência também ao parágrafo II, nas alíneas A, B, C e E, porque não contribui em nada para o desenvolvimento positivo das relações entre pais e filhos, visto que o filho desrespeita a mãe; desrespeita a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperiência e o sentimento de lealdade das crianças, que podem tentar repetir em casa a conduta da personagem; além de promover um comportamento socialmente condenável.

Esta reclamação encontra ainda apoio normativo no Anexo H, nas suas disposições Gerais, alínea J: “Além de atender aos preceitos gerais deste Código, os anúncios de produtos submetidos a este Anexo deverão: abster-se de desmerecer o papel dos pais, educadores, autoridades e profissionais de saúde quanto à correta orientação sobre hábitos alimentares saudáveis e outros cuidados com a saúde” porque desmerece o papel da mãe.

Além disso, é um acinte que o Conar ainda permita a publicidade de produtos alimentícios sem nenhum valor nutricional num canal cujo público-alvo são crianças na primeira infância, num momento em que passamos por uma situação de saúde grave, com a epidemia de obesidade descrita em todos os noticiários. É um absurdo que o Discovery Kids, mesmo sendo um conteúdo pago (e caro!) aceite veicular este tipo de publicidade abusiva.

É emblemático que a criança não coma o produto, mas que use como matéria-prima para as suas peripécias. Nos parece simbólico e significativo que este filme apresente um produto ruim para a saúde sendo usado como munição contra a família – seria um ato falho do redator?

*Fernando é engenheiro e funcionário público. Tem um filho de três anos.

**Mariana é publicitária e mestra em políticas públicas. É mãe de dois e escreve no blog Viciados em colo. Co-fundadora do Movimento Infância Livre de Consumismo.

cheetos


Tags:  autorregulamentação Cheetos comida industrializada denúncia mensagem subliminar produtos alimentícios

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Mariana Sá




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