Texto de Vanessa Anacleto*
1. O amistoso .
Sexta feira, 06 de junho de 2014. A seleção brasileira de futebol joga um amistoso como preparação para a Copa do Mundo em São Paulo. São 16 horas, a família liga a televisão e antes de assistir a um jogo sofrido repara – como não reparar? – na propaganda em led pipocando na beira do estádio. No meio dos anunciantes, a aguardente XYZ – não serei eu a reforçar a propaganda – anuncia brilhante e reluzente para os quatro cantos do Brasil – e do mundo – sua gloriosa marca que deseja ver associada ao futebol. Cachaça e futebol tem mesmo uma relação natural . Nada de errado apresentá-la às crianças durante um jogo. Como o álcool é uma droga lícita, o fato de matar cerca 50.000 brasileiros nas ruas e estradas*, não deveria impedir a contratação de um patrocínio como este, deveria? . É a lei do mercado, alguém tem dinheiro a oferecer por cotas de patrocínio colocadas à disposição. Bom senso não figura entre os itens do contrato. Mas, e a lei?
A Lei 9.294/96 define bebida alcoólica para fins de restrição publicitária aquela com índice Gay Lussac superior a 13 graus. Com aproximadamente 39 graus, a aguardente tem propaganda restrita nos seguintes termos:
Art. 4° Somente será permitida a propaganda comercial de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre as vinte e uma e as seis horas.
§ 1° A propaganda de que trata este artigo não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou idéias de maior êxito ou sexualidade das pessoas
Como foi possível então, que a família toda pudesse assistir à intermitente propaganda da aguardente XYZ na televisão durante 90 longos – afinal, o jogo não foi tão bom assim – minutos? Parece que tomamos um drible dos responsáveis pela transmissão do jogo. Apesar de a propaganda pisca-pisca ter sido veiculada na televisão no horário da tarde, como não se tratou de filme publicitário , ficou tudo ok. ” Água que passarinho não bebe” vinculada com sucesso ao desempenho saudável da atividade mais popular do país. As crianças em frente à tevê e as estatísticas das mortes estradas agradecem #SQN.
2. A Copa.
Em pouco mais de 48 horas, quando a seleção brasileira de futebol entrar em campo para disputar a partida de abertura da Copa do Mundo, um novo recorde de audiência televisiva deverá ser marcado. Segundo a FIFA, com um público estimado em 1 bilhão de pares de olhos estará ligado na transmissão. Para quem lucra com os jogos este potencial número de telespectadores são apenas consumidores. Assim, grandes empresas presentes no mundo inteiro estão entre os patrocinadores. É certo que sem patrocinadores não se realiza nada no mundo de hoje . É preciso, há muito mais tempo que hoje aliás, que alguém patrocine a realização de grandes obras e eventos. Sem patrocínio o Coliseu não teria sido erguido, sem patrocínio mais da metade das obras de Leonardo Da Vinci não teriam saído de seus cadernos. Sem dinheiro não se faz um espetáculo para um bilhão de pessoas e o esporte é um dos temas prediletos dos seres humanos desde a Grécia antiga. Quem não joga, assiste. Compreensível que empresas desejem ver suas marcas ligadas a atividades esportivas, que dirá um esporte tão apaixonante quanto o futebol. Tudo certo , pelo menos até que se faça a pergunta: Para um evento como este vale qualquer patrocínio, desde que cumpra as cotas? Será mesmo que para ser uma empresa parceira do esporte, uma empresa não deve ao menos estar ligada a hábitos saudáveis, hábitos que um esportista de ponta precise adotar para garantir sua performance?
Parece que não. Ao menos para quem realiza os acertos. Dentre parceiros e apoiadores oficiais da Copa encontra-se uma rede de lanchonetes mundialmente conhecida não só pelos lanches mas também pela forma como seu cardápio contribui para aumento dos índices de obesidade, se consumido regularmente. Outro patrocinador é a marca notória de refrigerante que comercializa uma fórmula mágica composta de sódio e edulcorantes em excesso e ainda uma marca internacional de cerveja. Infelizmente, como todo o resto, esporte virou um negócio e o slogan não condiz com o que é vendido.
Fonte: drauziovarella.com.br
Imagem: tecnologia.br.msn.com
(*) Vanessa é mãe do Ernesto, blogueira no maeetudoigual.com e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil.
Tags: bebidas bebidas alcóolicas consumo de álcool copa infância marketing publicidade de bebidas