Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo publicado no NetConsumo, de Mario Frota*
A publicidade infanto-juvenil constitui dos temas, a um tempo, mais instigantes e mais instantes da sociedade contemporânea.
A sociedade de pós-consumo – que nos submerge – elege, no domínio da comunicação comercial, as crianças e os jovens como alvo preferencial das temerárias ações que sobre um tal universo desencadeia.
A autêntica hipervulnerabilidade de grupos tão desvalidos imporia peculiares cuidados das comunidades organizadas em vista de uma esfera reforçada de proteção ante as arremetidas da publicidade e do marketing e de outros meios que tendem a enredá-los numa teia extraordinariamente bem urdida, a fim de lograrem os seus perversos objetivos.
Não se ignore que, na Europa, cerca de 40% dos orçamentos domésticos são afetados às exigências de crianças e jovens, como que “tocados” pela publicidade que sabe bem a quem e como dirigir as suas insidiosas mensagens. No Brasil, segundo dados fidedignos revelados pelo Instituto Alana, as classes médias vêm explodir tais percentagens para a casa dos 80%.
Não é coisa de somenos, por conseguinte, e não é inocente tanto a publicidade que se dirige como a que envolve crianças e jovens.
O Conselho Económico e Social Europeu, pela mão do conselheiro Jorge Pegado Liz, consumerista emérito, assessorado por Paulo Morais, prestigiado pedagogo que se vem ocupando de domínios tais, apresentou recentemente à Comissão Europeia um relatório seguido de um parecer de iniciativa de que se respigam os seguintes excertos (editados por razões de brevidade):
• A publicidade que se serve abusivamente de crianças, para finalidades que nada têm a ver com assuntos que diretamente lhes respeitem, ofende a dignidade humana e atenta contra a sua integridade física e mental – e deve ser banida.
• A publicidade dirigida a crianças comporta riscos agravados consoante os grupos etários, com consequências danosas para a sua saúde física, psíquica e moral, destacando-se, como particularmente graves, o incitamento ao consumo excessivo conducente ao endividamento e o consumo de produtos alimentares ou outros que se revelam nocivos ou perigosos para a saúde.
• Certa publicidade, pelos seus conteúdos particularmente violentos, racistas, xenófobos, eróticos ou pornográficos, afeta, por vezes irreversivelmente, a formação física, psíquica, moral e cívica das crianças, conduzindo a comportamentos violentos e à erotização precoce.
• Deve ser posta uma ênfase especial na capacitação, informação e formação das crianças desde a mais tenra idade, na utilização correta das tecnologias da informação e na interpretação das mensagens publicitárias. Também os pais deverão ser capacitados para acompanhar os seus filhos na apreensão das mensagens publicitárias.
• Os cidadãos em geral e, em especial, as famílias e os docentes devem ser igualmente informados e formados para poderem melhor desempenhar as suas funções tutelares junto dos menores.
• Anunciantes e patrocinadores, no âmbito das iniciativas da autorregulação e da corregulação, já adotadas e a promover, devem assumir e aplicar os mais elevados níveis de proteção dos direitos das crianças e de os fazerem respeitar.
• O quadro legal comunitário não está à altura das necessidades atuais de proteção dos direitos das crianças face às comunicações comerciais, nomeadamente através dos meios audiovisuais, da internet e das redes sociais.
A edição que ora se oferece aos nossos habituais ledores é consagrada exclusivamente ao tema da publicidade infanto-juvenil.
Colaborações de outros reputados especialistas aspirámos ter para a edição presente.
Vicissitudes de ordem vária inibiram-nos de poder contar com quem muito teria para dar, num acréscimo de valor ao judicioso labor dos que assinam de forma brilhante os textos que ora a todos ofertamos.
Esta sociedade assente em incertezas permanentes agrava consideravelmente trabalhos do jaez destes.
É algo que desafortunadamente se não pode banir do nosso horizonte.
Os artigos que se publicam são de primeiríssima plana.
Tanto basta para que nos sintamos reconfortados.
Brasil, Gramado, XII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, 12 de maio de 2014
Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo Vol. IV | n.º 14 | JUNHO 2014
Texto publicado da NetConsumo em 12/8/2014
(*) Prof. Mário Frota é presidente da associação portuguesa do Direito do Consumo – apDC e director do NetConsumo
Tags: infância proteção à infância publicidade abusiva