Artigo de Rebecca Hains para o Boston Globe traduzido especialmente para o Milc por Fernanda Café*
O que deu início à nossa obsessão em definir gêneros para brinquedos e como os pais podem combater isto?
Brinquedos de meninas. Brinquedos de meninos. Para muitos pais, a ubiquidade da separação dos corredores de brinquedos por cor parece natural, refletindo uma crença em diferenças inatas de gênero e interesses distintos. No entanto, recentemente campanhas como Let Toys Be Toys e No Gender December têm conseguido manchetes internacionais ao defender corredores de brinquedos unificados, recomendado uma reorganização por tema ou interesse. Em vez de acreditar que bonecas e atividades manuais são para meninas enquanto caminhões e kits de ciência são para meninos, “nós acreditamos que todos os brinquedos são para todas as crianças”, explica a coordenadora da campanha Let Toys Be Toys Jo Jowers, que vive na Inglaterra.
O Presidente Obama se posicionou sobre o assunto em Dezembro, quando em um evento do Toys for Tots ele sugeriu que um brinquedo de basquete seria um brinquedo ideal para meninas. “Eu só estou tentando quebrar esses estereótipos de gênero”, ele comentou na época.
“Crianças usam brinquedos para tentar novos papéis, experimentar e explorar interesses,” explica Susan Linn, diretora executiva da iniciativa “Campaign for a Commercial-Free Childhood” (Campanha para uma Infância Livre de Comerciais) e uma psicóloga na Escola de Medicina de Harvard. “Um marketing de brinquedos rigidamente genderizado diz às crianças quem eles devem ser, como eles devem se comportar, e no que eles devem se interessar” – uma prescrição pouquíssimo saudável.
Pesquisas recentes mostram que os brinquedos de hoje em dia são divididos por gênero em níveis sem precedentes históricos. “Existem bem menos itens não-genderizados disponíveis para crianças do que em qualquer era anterior”, diz Elizabeth Sweet, pesquisadora e pós-doutora na Universidade da Califórnia – ainda menos do que há 50 anos, quando discriminação por gênero era socialmente aceitável.
Como pode ser? A resposta está em mudanças significativas na indústria da mídia durante os anos 1980, quando a Comissão Federal de Comunicação, que regulamenta a televisão nos EUA, removeu limitações antigas sobre publicidade infantil; e consumidores passaram a adotar pacotes de televisão à cabo, permitindo que os donos da mídia pudessem mirar em audiências muito mais microsegmentadas do que antes. Como resultado, marqueteiros passaram a ver crianças como um demográfico segmentável e extremamente lucrativo, após ignorá-las por 50 anos.
Talvez não seja surpreendente que duas das mais bem-sucedidas companhias de hoje – Disney, cuja marca Princesas é a propriedade licenciada nº2 nos EUA e Canada, e LEGO, que recentemente superou a Mattel como maior fabricante de brinquedos do mundo – adotaram precocemente a tendência de meticulosamente segmentar por gênero o mercado infantil no final dos anos 1980. O sucesso de licenciamento do filme A Pequena Sereia da Disney em 1989 levou ao lançamento de vários filmes de princesas em rápida sucessão, colocando a Disney como um poder formidável no mercado de meninas. Da mesma forma, em 1988 a LEGO apresentou a campanha “Zack, o maníaco da LEGO”, se posicionando como uma marca para meninos. Um ano depois, a LEGO começou a moldar seus bonequinhos que eram historicamente neutros em gênero, mas passaram a incluir batom e pelos na face – marcadores de gênero bem claros.
O efeito cascata dessas mudanças monumentais no marketing da era dos anos 1980 são evidentes hoje em dia. Hoje, alguns brinquedos classicamente neutros em gênero são produzidos em versões para “menino” e para “menina”: vagões Radio Flyer, anéis de empilhar, blocos de montar e todos os brinquedos no meio sofrem uma “lavagem rosa” na esperança de que famílias com crianças de cada gênero irão comprar brinquedos em dobro. Enquanto isso, os recordes em lucros das Princesas da Disney levaram a uma proliferação de itens de princesas na concorrência, então a Disney comprou a Marvel e a Lucasfilm, criadora de Star Wars, para competir no mercado de meninos. Da mesma forma, a LEGO compete pelo poder de compras das meninas não através da inclusão, mas oferecendo uma linha separada de brinquedos estereotipicamente feminina, como Princesas da Disney e a LEGO Friends.
O que isso significa para as famílias de hoje? Lori Day, uma consultora educacional, psicóloga e autora do livro Her Next Chapter: How Mother-Daughter Book Clubs Can Help Girls Navigate Malicious Media, Risky Relationships, Girl Gossip, and So Much More (algo como O Próximo Capítulo Dela: Como clubes de leitura entre mães e filhas podem ajudar meninas a circularem através da mídia maliciosa, relacionamentos arriscado, fofocas e muito mais), argumenta que a brincadeira infantil foi alterada com consequências de longo prazo. “Depois dessa segmentação por gênero, meninos e meninas param de brincar juntos numa idade muito mais precoce do que era considerado típico para o desenvolvimento etário” ela diz. “Os estereótipos rígidos de papéis de gênero não são saudáveis para meninos ou meninas, que são têm muito mais semelhanças do que diferenças.” Sweet concorda: “Esse tipo de marketing normalizou a ideia de que meninos e meninas são fundamentalmente e marcadamente diferentes uns dos outros, e essa ideia é a base de vários dos nossos processos sociais de desigualdade.”
No entanto, os pais podem lutar contra esses problemas ao criar crianças criticamente pensantes. Jennifer Shewmakes, uma professora de psicologia na Abilene Christian University no Texas e autora de Sexualized Media Messages and Our Children: Teaching Kids to Be Smart Critics and Consumers (algo como Mensagens sexualizadas e nossas crianças: ensinando crianças a serem críticas e consumidoras inteligentes), sugere: “Quando você vir um anúncio estereotipado, pergunte à criança: ‘O que você acha da maneira como ela mostra meninos e meninas? É assim que os meninos e as meninas na sua vida são?’”. Carolyn Danckaert, co-fundadora do site de recursos A Mighty Girl, acrescenta: “Quando pais explicam que algumas pessoas pensam que só meninas ou só meninos são bons em alguma coisa mas suas famílias discordam, crianças conseguem reconhecer estereótipos pelo que eles são.”
Nem todos os pais dividem essas preocupações, é claro. Jo Paoletti, professora de estudos americanos na Universidade de Mariland e autora do livro Pink and Blue: Telling the Boys From the Girls in America (algo como Azul e Rosa: separando os meninos das meninas na América), atribui opiniões diversas à guerras culturais contínuas. “Adultos que se contentam com papéis de gênero mais tradicionais e conservadores vêem as preferências infantis por roupas e brinquedos estereotipados como expressões naturais de diferenças inatas,” diz Paoletti. Dessa forma, Erin McNeill, fundadora e presidente do Media Literacy Now (Educação Midiática Agora), advoga pela integração de crítica da mídia no currículo escolar. “Alguns pais não notam ou não estão preocupados com a genderização de produtos. É importante que todas as crianças tenham a oportunidade de desenvolver um pensamento crítico para entender como e quando anúncios genderizados focam nelas mesmas,” ela diz.
Rebecca Hains is an associate professor of advertising and media studies at Salem State University, where she serves as assistant director of the Center for Childhood and Youth Studies. She’s the author of “The Princess Problem: Guiding Our Girls Through the Princess-Obsessed Years.”
(*) Fernanda é jornalista-porém-assessora e mãe do Benjamin (5). É uma feminista que faz ballet e adora cor-de-rosa. Gosta de RPG, fantasia medieval, anime água-com-açúcar e é #teammarvel apesar de Sandman ser da Vertigo. Começou a estudar Quenya, mas como não dava pra fazer isso enquanto comia, desistiu de ser elfa e admitiu para si sua natureza hobitesca. Escreve no http://pacmae.com.br/
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