maternidade / publicidade infantil / 6 de março de 2015

O que publicitários podem aprender com o erro do Luciano Huck e a turma dele?

Texto de Paula Rizzo*

Vamos aprender com o erro do Luciano Huck e a turma dele? E nós, publicitários e pessoas de comunicação, que tal nos colocarmos como parte do problema?

Sobre esse lance do Luciano Huck, eu não sei se ele é mal assessorado ou é realmente muito louco. Louco de achar que criança é um mini adulto. De desrespeitar a infância, a inocência, a subjetividade de uma criança sendo pai. Ocupado, mas pai. Louco de não tomar cuidado com o como vai ganhar dinheiro criando produtos assim, pois ele é uma marca.

Não descarto a possibilidade de erro. Uma amiga que teve uma confecção de 0-12 disse que a roupa ser aplicada no site com tamanho ou preço errado acontecia sim. Mas não ver e soltar no ar é injustificável.

Eu não acho que ele é idiota. Ele é um cara que estudou. Tem um programa popular, sabe dos problemas de pedofilia, turismo sexual, venda de crianças. Se a marca dele errou não é com desculpa que se conserta uma besteira deste porte.

Imagino que o assessor dele deva estar falando que ele deve esquecer, daqui a pouco todo mundo esquece e tal. Mas acho que não deveria. Teve já o lance com o ‘Somos Todos Macacos’. A gente perdoa uma vez. Na segunda desconfia.

A impressão que eu tenho é que na vontade de dialogar com as coisas que acontecem, de fazer uma crônica do mundo, ele e sua equipe saem fazendo, não pensam, e fazem besteira. E gostaria de oferecer uma outra possibilidade de leitura.

Eu tenho filhas da mesma idade dos dele. E a minha filha mais velha está começando a ler. E me pergunta, mãe o que quer dizer Verão é Nosso ? ((não vou falar que Verão é a Vera, mulherão, que aparece com peitão e bundão na propaganda da cerveja)) então digo, filha, quer dizer que está calor e que esta marca que é de uma bebida refrescante de adultos quer convidar as pessoas para aproveitar e sair de casa. Quando ela pergunta o que tem no saquinho da Olla, digo que é coisa de adulto. Mas com 10 anos ela vai saber que tem uma cápsula em Salvador patrocinada por uma marca para as pessoas darem suas rapidinhas no ar. Por que vai. E acho isso bem punk. E digo mais, minha filha menor que nem desfraldou ainda outro dia ficou brincando na farmácia e pegando nas camisinhas que estavam penduradas na altura dela porque tinha um morango desenhado e eu tive que explicar pra ela que não era bala. Bom, acho que não deveria estar na altura de criança e nem ter uma fruta estampada. Certo?!

E aí, gente, continuamos o jogo? Cada um volta pra sua máquina, abre um Keynote ou um Photoshop e segue o jogo ?! Acho que a gente pode mais.

Imagino que talvez o que o Luciano Huck pretendeu fazer ((embora tenha assumido como sendo um erro)) tenha sido uma crítica, nos moldes de Oliviero Toscani, dizendo que a campanha de Skol errou ao expor nossos filhos às ideias que a propaganda não censura. Se assim fosse, deveria ser uma brincadeira, não uma camiseta real. Por que mesmo de brincadeira não é adequado se apropriar de território adulto pra vender roupa de criança. Sendo uma camiseta real, virou o mesmo e pior que Skol. Deu margem a leituras de pedofilia, venda de crianças, prostituição infantil. Para fazer um ponto, se perdeu no outro.

Mas Skol deu a volta por cima. Mudou a campanha. Fez uma campanha simpática e bem humorada que toca no assunto de um jeito legal. Tem uma diretora de marketing mulher agora, a Paula Nogueira Lindenberg. Que entrou bem no olho do furacão, em meio à crise, uma semana depois do escândalo, substituindo seu antecessor homem. E talvez vá repensar profundamente o que a marca tem feito.

Minha provocação para os meus colegas de trade publicitário é:

O que vamos fazer com isso ?

Fingir que não existe ? Falar isoladamente ?

Fazer charges bem feitas ?

Que tal se a gente começar a olhar para campanhas como estas aqui:

Do Ad Council, o Conar dos gringos, que no Dia dos Namorados – onde imperam os estereótipos – eles fazem uma campanha de aceitação e diversidade. Acho que estão com isso querendo elevar o sarrafo da comunicação:

Ou a magnífica campanha da Droga5 onde a Sarah Silvermann pede para implantar um pênis para finalmente ter um holerite digno numa campanha de equidade salarial do National Women’s Law Center. Onde literalmente ela pede pra ‘fechar o gap’ da desigualdade.

E parar de fazer piadinha nas nossas timelines mas olhar com cuidado.

Para o Luciano Huck:

Já que rolou, vamos falar de pedofilia?

Acho ótimo botar foco na pedofilia. Acho que este caso traz questões à tona muito sérias e que precisam ser mais discutidas:
– pedofilia
– turismo sexual
– roubo de crianças
– responsabilidade de quem faz a propaganda (quem cria, quem aprova e quem veicula)
– propaganda de adulto que atinge crianças (ex. em mídia exterior ou indoor ao alcance das crianças – ponto que eu levantei da camisinha na farmácia)

Luciano Huck, pegou mal. Conserta, mas conserta bonito.
Faz legal. Não ouve seu assessor de imagem, ouça seu coração.
Você é um cara legal, benquisto, popular. Pai, marido, filho, neto.
Use a sua força para fazer o bem.
Não responda com camisetinha e nem com pedido de desculpa.
Responde agindo.
Chama uma agência boa.
Se precisar, eu tenho amigos que podem te ajudar.
A gente só pensa há quase um mês sem dormir como pode ajudar mais gente a não fazer mais isso.
Eu sofri com Skol. E sofro dobrado com você.

Vamos lá:
Peça uma campanha bem bacana, honesta, simpático e envolvente.
Mostre campanhas como as abaixo e diga que tem que ser melhor.

Procter & Gamble – Like a Girl1 e 2:

 

 

Verizon – Inspire Her Mind

 

Dove – True Colors

 

Dove – Growing Up

 

GoldieBlox – Princess Machine

 

Estas campanhas falam de preserver a infância das crianças.
A sua, agora, seria bom se tocasse nos pontos que você acabou ferindo: pedofilia, turismo sexual, roubo de crianças.
Depois, ouça as pessoas com quem você quer falar para ver se elas entendem realmente o mesmo que você.
Use a sua enorme força para o bem.
Dê a volta por cima.
Mas não esqueça nunca de olhar tudo o que leva a sua marca e a sua mensagem adiante.
Você quanto erra, erra feio. Porque você é amado e olhado por muitos.
Tem muita dona de casa que sonha em ter a casa reformada pelo seu programa e não tá nem aí pro Facebook. Mas a filha dela está.
E com estas ações você tira a esperança das pessoas e perde a credibilidade.
Os anunciantes estão mais receosos com celebridades também. Os contratos já não são como antes.

Nos orgulhe, Luciano.
Vai ser melhor pra você e pra todos nós.
Conto com você, Luciano.

PS. Você que tem filhos, como o Luciano, assista com quem fez os filhos e para pra pensar em como quer educar seus filhos. Chama ‘Representation Project’ e fala sobre como a mídia vem retratando a mulher, entre outros: 

 

Você que leu e gostou, além de um like, dê um share. Assim ganhamos todos mais voz e escuta.

 

Update:

O Facebook tem uma dinâmica narcísica, de likes. E eu vejo muita gente satisfeita e feliz em ter um Judas pra malhar. Coloquei a bunda do meu mercado na janela. E sei uma enquadrada pública em alguém no poder e que não é meu amigo.

A probabilidade deste texto não vencer nas redes sociais e de eu ser mal interpretada é grande. E das pessoas não saberem o que eu quero e não quererem dar share é enorme.

Quero dignificar minha profissão. Esta é a minha única e sincera intenção. Então, se você não quem eu sou ou quais as minhas intenções, pergunte a quem me conhece.

A quem me viu no palco ontem na ESPM dando esperanças para um grupo de jovens que entram no primeiro ano. Dizendo pra eles que eu queria que as pessoas da geração deles não desistissem de ser agência ou cliente mesmo que não se sintam representados (abri a palestra perguntando ao um grupo de calouros quem tinha vontade de trabalhar numa grande agência ou num grande anunciante e menos da metade levantou a mão – achei que tinha que antes de qualquer coisa dignificar a escolha deles. Por que sem eles ficará mais difícil.

Pergunte a quem me viu em uma sala de aula, tentando ensinar aos alunos da Miami Ad School/ ESPM como olhar para um problema e tentar achar resposta usando mil ferramentinhas no meu curso de Power Internet Usability. Pergunte também a quem eu abri minha própria casa para fazer este escambinho.

A quem me ver atuar diariamente na Escola das crianças brigando por um presente e um futuro melhores. Para que não haja atiradores de Columbine na nossa comunidade escolar. Para que não haja bullying. Para que a infância das nossas crianças seja preservada. E por este motivo, e apenas, por este, vou te pedir para não perguntar a elas.

Mas saiba, já as preparei para o fracasso. Intuindo isso, talvez, li este singelo livrinho para elas ontem, “Everyone Poops” -“Todo Mundo Faz Cocô” (aqui o vídeo trailer do livro):

Se está na dúvida sobre este texto, coloque na mão de quem vc acha que merece ler. Discuta. E me chame se quiser. Eu vou adorar. Mas não deixe de ler. E de discordar com tudo, mas expor o seu ponto de vista. Ajudar a gente a sair da inércia.

 

(*) Paula Rizzo tem 42 anos, é mãe, publicitária e fundadora e diretora da e*ideias, uma empresa de inspiração criativa e estratégica.  Leciona na Miami Ad School/ESPM em São Paulo e no Rio. Foi social fundadora do Grupo de Planejamento. Colabora criativamente com diversas empresas. Acredita na transformação a partir da comunicação. E se enxerga agente de mudança. É criadora e coordenadora do grupo Gênero na Publicidade. Escreve sobre publicidade no site e*ideias e sobre consumo inspirado de cultura, de objetos, roupas e  brinquedos infantis voltados para pais e mães que querem comprar melhor, o cool*ruja

 


Tags:  gênero infância infância livre de consumismo proteção à criança

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Mariana Sá




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