Mães e marcas

Texto de Graziela Flor e Mariana Sá*

Estamos no ano de 2015 e a forma como nos comunicamos vem mudando rapidamente. Antes ter uma linha telefônica poderia ser considerado um luxo. Hoje o smartphone condensou jornal, revista, tv, rádio, correio e telefone num só aparelho. Antes assistíamos TV com mais freqüência, líamos jornal impresso regularmente, apreciávamos revistas sempre com a companhia das marcas. Elas sempre estiveram lá pagando para nos mostrar o quanto poderíamos precisar da último lançamento.

O que mudou ao longo do tempo? Tudo ou quase tudo.

Hoje, com a mudança de hábitos de consumo de mídia, as marcas precisaram reinventar suas estratégias de marketing para alcançarem o povo onde o povo está. Se antes o mix “tv, rádio, jornal, revista e outdoor” eram suficientes para que todos vissem uma marca, hoje, sem a internet e suas redes sociais uma campanha não vai a lugar algum.

Mas onde investir o dinheiro do marketing se a internet parece o universo infinito? Existe uma estratégia que vem funcionando muito bem: a promoção de eventos para convidados muito especiais. Pessoas que serão mimadas por algumas horas e sairão com o compromisso de divulgar o evento, a marca e a si mesmas. Afinal, de que vale ir a um evento exclusivo e não poder ostentá-lo nas redes?

Quando se trata de produtos para criança, as tais pessoas especiais são, preferencialmente,  mães blogueiras. E todo mundo que tem perfil em rede social agora é blogueiro – nem precisa  mais ter blog. As mães – humanas que são –  colecionam diversas vulnerabilidades: sentem-se sozinhas, estão conectadas com outras mães apenas remotamente, sentem vontade de conhecer “de verdade” as mães do mundo virtual e desejam obter o prestígio que  somente as mais importantes blogueiras possuem. E à soma destas vulnerabilidades acrescenta-se a maior das ferramentas: mães blogueiras gozam de grande credibilidade junto a um grupo muito grande de outras mães.

Este balaio de necessidades\capacidades constitui um material importante com que as empresas passaram a trabalhar: a vulnerabilidade e a crescente credibilidade destas pessoas que possuem site ou blog e perfis em diversas redes sociais totalmente focadas na relação entre mães e seus bebês.

É reconhecidamente sedutor demais receber um convite para um evento e recusar parece quase impossível.  Participar do evento dá status, coloca a pessoa em um grupo de seres “importantes” ou “influenciadores” (também conhecidas como formadores de opinião) e é exatamente isso o que as marcas querem: usar os mais influenciadores para chegar até os seus amigos, os consumidores em potencial a custo muito reduzido.

Resumindo: a pessoa especial passa a ser um canal de comunicação baratinho entre a marca e quem compra de fato!

Sabemos que todas as mães que estão nestas listas de pessoas influenciadoras são adultas e decidiram fazer o que entendem melhor para si e para os seus. Porém, a partir do momento em existem crianças envolvidas nessas ações, ou que estão sendo emitidas opiniões sobre alguns produtos sem checagem ou critério, todos temos muito a ver com isso.

112871126Se a divulgação do brinde do evento para mães VIPs for feita sem um mínimo de responsabilidade, toda a luta do Milc e de outras entidades por uma publicidade mais limpa será em vão. Por exemplo, você sabia que hoje já temos em vigor uma norma que proíbe publicidade de qualquer produto que concorra com a amamentação – a NBCAL?

Desta maneira, a blogueira que fala sobre o leite ou a mamadeira que está usando pode estar – de fato – ferindo uma norma.  E acreditamos que esteja. Se esta blogueira foi a determinado evento, se recebeu latas de fórmulas lácteas como brinde ou se foi paga para falar de alguma mamadeira: a blogueira, o anunciante e a agência estão descumprindo a NBCAL. E a norma existe porque está constatada a influência do marketing e da publicidade nas médias pífias de aleitamento no Brasil.

Quando a publicidade dirigida à criança estiver bem regulada, é certo que anunciantes e agências de mídia virão para cima das mães: aproveitando da nossa necessidade de estar juntas, de ser parte de um grupo, de ser reconhecida, de ter “privilégios” e “ser importante”. E muitas acabam embarcando nestas propostas mesmo que isso “manche” a sua reputação. Afinal, comparecer a um evento e recomendar um marca ou produto que não se usa é, no mínimo, intrigante.

Este tipo de relação é muito bom apenas para um dos lados: a marca, que antes gastava muito para ocupar uma página inteira em uma revista de grande circulação, hoje organiza um evento com lanchinho e não gasta metade do que gastava antes para convidar e mimar pessoas. Os resultados são eficientes? Parece que sim, ou as marcas não estariam fazendo isso.

Dar-se conta da própria responsabilidade ao falar de marcas e produtos é fundamental, afinal é da vida de crianças de que estamos falando.

 

Imagens da web. Infográfico da Folha de São Paulo.

 

(*) Graziela Flor além de mãe e filha, é professora de educação infantil, psicóloga de formação e ativista pela preservação da infância. Observadora e questionadora, é acima de tudo humana, seja lá o que isso signifique ao pé da letra. Escreve no blog http://graflor.blogspot.com.br/

Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.


Tags:  marketing maternidade responsável mídia e blogueiros mídia e mães blogueiras responsabilidade

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Mariana Sá




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