Texto de Mirtes Aquino, Debora Diniz, Mariana Sá e Vanessa Anacleto*
Está rolando na rede um vídeo de um experimento social no qual um homem testa se crianças em parques, mesmo tendo sido orientadas por suas mães a não falar com estranhos, acompanhariam uma pessoa desconhecida num passeio sem antes solicitarem autorização materna.
Vejam bem: as mães do vídeo afirmam que orientam as crianças a não falarem com estranhos. Elas têm convicção de que os filhos compreenderam a orientação, que não falarão com ninguém e ainda que correrão até elas. Porém, e sempre existe um porém, uma boa argumentação, uma estratégia cuidadosamente pensada, destrói todo o esforço educacional em segundos.
O homem simula levar as crianças para fora do parque, sob o olhar chocado das mães. No experimento, ele usa um cachorrinho, fala docemente e convida cada criança para conhecer os outros cães, oferecendo-lhe a mão – em segundos, todas as crianças filmadas seguram aquela mão desconhecida e seguem o estranho, sem nem ao menos olhar pras mães para ver se elas autorizam ou se estão cientes do passeio.
Para nós, que há anos afirmamos que a educação familiar (materna e paterna) é importante para a mediação entre mídia e criança, apesar de insuficiente, este vídeo chega como uma metáfora. Muita gente tem a convicção de que cabe exclusivamente aos pais a vitória sobre o assédio da mídia e baseia seu sucesso na repetição dos “nãos” depois dos “eu quero este”, como se o “não” dito e o ato da negativa em comprar o produto bastasse diante do assédio publicitário.
As crianças tem essa inocência, por isso são vulneráveis. Não há meios para se ensinar uma criança a deixar de ser vulnerável. A “não-vulnerabilidade” se aprende com o tempo, a idade e a experiência (é assim que viramos adultos e adultos voltam a ser vulneráveis com a idade ou com alguma condição de saúde física ou mental). Por isso cabe a nós, adultos, menos vulneráveis, protegê-los enquanto ainda o são.
Este vídeo é – para nós – a prova que toda a orientação e toda a educação não são suficientes quando se trata de crianças muito pequenas: elas estão aprendendo e a repetição da orientação um milhão de vezes não garante que elas entenderam a mensagem. É a prova de que mães e pais precisam de união para exigirem que os marketeiros fiquem longe das crianças se não quisermos vê-las de mãos dadas com estranhos saindo pelo mundo.
Assim, a imagem do homem levando a inocente criança pela mão, metafóricamente, nos diz que por mais que conversemos com as crianças pequenas sobre como a publicidade engana, aquele apelo do produto x, y ou z, já carregou nossos filhos diante de nossas vistas.
No vídeo a isca foi um lindo filhote de cachorro, imaginem do que é capaz as equipes de marketing com todos os personagens queridos das crianças à sua disposição? Imagine o que os profissionais, de posse de sofisticadas pesquisas de mercado, estão fazendo com orientações maternas e paternas diárias? Imaginou? É pior do que você imagina.
Clique aqui para ver o vídeo original: Joey Salad Child Abduction e vá aqui para ver com legendas: Infância Livre de Consumismo.
(*) Debora é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É doula e educadora perinatal há 10 anos. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre. Co-fundadora do Milc e membro da Rebrinc.
Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
Mirtes é a mãe da Letícia, além de economista e funcionária pública. Desde que se tornou mãe aprende que é possível construir um mundo melhor, o que necessariamente passa por uma infância mais respeitada. Escreve no Cachinhos Leitores, seu blog sobre literatura infantil. http://www.
Vanessa é mãe do Ernesto, blogueira e autora do livro Culpa de mãe. Por causa disso tudo, ajudou a fundar o Milc e luta por um futuro sem publicidade infantil. É autora do blog materno Mãe é Tudo Igual e membro da Rebrinc.
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