Texto especial para o Milc de Anne Rammi*
Entro na quinta escola que fui visitar. Meu filho (que nasceu ontem) vai para o ensino fundamental. Entre uma explicação sobre a hora da entrada e o livro de português, alguém ali do grupo quer saber: mas eles que trazem o lanche? Ou a escola oferece?
– Pode trazer, pode comprar aqui. A partir do fundamental eles tem acesso à cantina.
– E vende o que na cantina?
– Lanches saudáveis, salgados, sucos.
– Vende refrigerante?
– Vende.
– E a criança que traz lanche de casa, pode trazer refrigerante?
– Pode.
– A escola não proíbe refrigerante?
– Não podemos proibir, é uma responsabilidade de cada família.
– E por que não pode proibir?
– Veja bem: educar não é proibir. Educar é problematizar os pós e contras das decisões livres!
Tomei um pito da educadora e a conversa seguiu para a importância da robótica e da educação financeira no currículo. “Somos uma geração de consumistas! Nossos filhos são ainda piores. Se não forem educados para gerir o próprio dinheiro, acabarão com todos os nossos recursos.”
– Mas, moça… Bala e chiclete vocês proíbem?
– No fundamental I chiclete é proibido. A criança pode engasgar e causar um acidente sério.
– E salgadinho de pacote, desses que são feitos de isopor e sabidamente fazem mal à saúde, e também podem causar um acidente sério ao longo dos anos?
– Tem criança que traz, né?
– E pode?
– Pode. Mas veja bem: as professoras estão atentas às lancheiras. Quando as crianças abrem os lanches elas valorizam e contabilizam as frutas! As crianças sabem que frutas fazem bem para a saúde!
– Mas elas contabilizam e desvalorizam os salgadinhos? Elas lêem os rótulos com as crianças? Expõem os prós e contras daquela escolha?
– Aí não, né? Seria expor a criança.
Eu seguia pensando no que há de “problematização” no fato de se valorizar a fruta da lancheira e ignorar o isopor. Validar os prós e não abordar os contras. E qual seria de fato o problema de proibir um treco que faz mal? Ou que é perigoso? Será que é permitido que os alunos levem facas e canivetes à escola, em prol do “proibir não é educar”?
– Na nossa escola o uniforme é obrigatório. Temos dois fornecedores disponíveis e as famílias podem escolher onde melhor for para eles. Temos também oito serviços de peruas escolares conveniadas, e somente permitimos que as famílias contratem entre os conveniados, por questão de segurança dos alunos.
– Então é proibido o uso de roupa normal?
– Não é proibido. O uniforme é que é obrigatório.
– Mas, se meu filho vier sem uniforme?
– Não permitimos entrada sem uniforme, é uma questão de segurança. Os sapatos devem ser tênis, não permitimos que as crianças venham de chinelos ou sandálias com salto. Sandália sem salto, é permitido.
– Ah! Chinelo é proibido?
– É.
– Não seria melhor problematizar essa questão?
Fui expulsa da escola antes de fazer a matrícula.
Ando pensando que essa história de “aprender a dizer não” repetida ad nauseam para os pais, que são colocados como os únicos responsáveis pela saúde e integridade física e emocional das crianças, precisa ser discutida nas escolas. Estou procurando uma escola que saiba dizer NÃO!
Para refrigerante, salgadinho, balas, chicletes, chocolates e alimentos ultraprocessados, na lancheira ou na cantina. Oras. Por que se eximem dessa responsabilidade?
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(*) Anne Rammi é mãe de dois e especialista em nada. Artista plástica por formação, pinta, borda, canta e sapateia. Tudo mais ou menos. Divide sua experiência de mãe e curiosa dos assuntos que cercam a criação de filhos na internet desde que eles nasceram, com abordagem bem humorada e ranheta, como lhe é peculiar. É editora do Mamatraca, um portal de conteúdo materno independente. www.mamatraca.com.br
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