O Milc nasceu em 2012 em reação a uma campanha que culpabilizava os pais (mais as mães, na verdade) pelo consumismo. A iniciativa dizia que todos são responsáveis da boca pra fora – nome, slogan e imagens, mas na realidade – nos textos e suas entrelinhas – ficava claro que uns eram mais responsáveis que os outros e estes uns éramos nós, as famílias. De acordo com aquela campanha, indústria, comércio, agências e canais de comunicação não deveriam ser responsabilizados pelas suas mensagens mercadológicas dirigidas às crianças. Eram os pais (as mães, né?) que tinham que aprender a dizer não aos filhos e aprender a desligar a TV.
O Milc nasceu da recusa de várias mães (de alguns pais também) de serem sozinhas a aldeia que uma criança precisa para se desenvolver.
O Milc nasceu porque estas mães exigiam do Estado, das empresas, dos profissionais de saúde e das escolas que cada um fizesse a sua parte, tendo em vista a prioridade que a infância deve ter sobre os interesses mercantis da sociedade de consumo em que vivemos.
Desta maneira, sempre levantamos a voz quando dedos eram apontados para as mães, nós mesmas ou quaisquer outras. Na nossa cabeça, a mãe sempre deve ser preservada, porque é também um ser vulnerável, especialmente nos primeiros anos e/ou quando é mãe de primeira viagem. Vulnerabilidade esta que as empresas usam para nos vender proteção ao que há de mais precioso, nossos filhos.
De outro turno, na internet, as mães acharam a rede de proteção social que muitas vezes não encontravam na família, nos amigos e nos vizinhos.
Desde as listas e grupos formados em ferramentas rudimentares de email até as redes sociais mais recentes, via internet, as mães criaram tribos que se acolhem, que se orientam, que se apoiam. Nestas tribos, as mulheres aprendem a questionar os médicos, a escola, a sociedade, a tradição e também a comunicação. Na blogosfera materna (inclua aqui todas as redes sociais), nós, mães, aprendemos novas maneiras de criar os nossos filhos.
E é justamente aqui que o Milc entra: podemos ver o Milc como mais um “blog” materno que tem como missão levar informação e fomentar o debate sobre a influência das relações comerciais na educação das crianças, vigiando a atuação das empresas. E, como os outros blogs/perfis maternos, o Milc junta gente por afinidade, junta gente por resistência, junta gente por curiosidade e acabamos por formar um movimento de mães que excede os limites de um blog materno comum.
Hoje entendemos que não basta compartilharmos as receitas de bolo para proteger nossos filhos da perniciosidade das campanhas de marketing, da sociedade de consumo e das consequências do consumismo: tínhamos que ir ao congresso nacional demandar políticas públicas para aumentar a responsabilização dos que se comunicam com crianças, tínhamos que fazer denúncias junto aos órgãos de proteção do cidadão e do consumidor e tínhamos que tirar as empresas e as agências de zona de conforto em que foram colocadas.
Miramos no que vimos – uma campanha de marketing de produto farmacêutico dirigido à criança – e acertamos no que não vimos – em mães como nós.
Nosso foco sempre foram as campanhas de comunicação e marketing das corporações para atingir as crianças, jamais as mães que porventura são pequenas engrenagens das suas estratégias. Percebemos isto no primeiro pedido de retirada de imagem: e assim que as crianças dormiram começamos uma operação para tirar as imagens do nosso blog e do Facebook sem prejudicar a importante denúncia que estávamos fazendo.
Mesmo podendo legalmente usar imagens públicas para exemplificar a ações, decidimos retirar toda e qualquer imagem quando solicitada pelas autoras apenas por uma razão: são mães como nós somos. Em 12 horas todas as imagens que continham possibilidade de identificação de autoria foram retiradas.
Quase uma semana depois, a polêmica continua e agora precisamos reconduzir os debate para onde ele precisa estar:
-
Imagem das crianças: não estamos falando do direito que as mães e os pais têm de expor ou não os filhos na internet: esta é uma decisão individual que deve ser tomada com consciência e com todos os cuidado, mas cabe a cada família fazer sua reflexão e conduzir sua decisão como melhor lhe convier;
-
Publipost: não estamos falando do direito que as blogueiras têm de receber mimos, presentes, convites e até remuneração para recomendar uma marca ou participar de uma campanha. Consideramos justa as formas que as blogueiras (de qualquer área) encontram para sustentar a sua produção de conteúdo e consideramos que os bons produtores devam, sim, ser remunerados;
-
Patrulhamento: não estamos questionando o direito que as pessoas têm de discordar daquilo que pensamos, de se juntar em torno de ideias divergentes e de viver de uma maneira diferente da que vivemos (até porque entre as pessoas que administram o Milc existem diversas maneiras de viver e de encarar a vida). Nosso processo de discussão e formação de consenso se dá na nossa página. Nunca ninguém irá no perfil de ninguém questionar a forma de criação dos filhos ou a condução do seu blog. Talvez outros movimentos façam isso: não o nosso!
-
Monopólio: Não temos qualquer ideia de monopolizar a blogosfera materna com as nossas ideias. Na internet existe blog para todos os perfis de gente, existe informação para todas as necessidades e há espaço e público para todos. Entendemos que o nosso debate não é atraente para todos. Ótimo que existem outros espaços para oferecer o conteúdo que não damos conta de oferecer, porque nosso foco é muito específico: criança, consumo é mídia. Quem não está a fim de saber o que pensamos não será admoestado: jamais comentamos em perfis visando descredibilizar quem quer que seja.
Então por que tem mãe blogueira reclamando da conduta do Milc?
-
Porque estamos falando que blogueiras precisam ter consciência de que podem ser formadoras de opinião, que influenciam a decisão de outras mães sobre gravidez, parto, amamentação e criação dos filhos e como tais precisam se responsabilizar pelo que falam;
– Não é o Milc que está chamando a atenção para o grande poder das blogueiras maternas: segundo pesquisa do Ibope encomendada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (pg. 42 e 43), 38% das mulheres recorrem a outras mães para tirar dúvida durante a gravidez e sobre os próprios filhos (mãe só perde para pediatra), depois de todos os profissionais de saúde, a internet, ganhando de livros, revistas, parentes e jornais;
-
Estamos falando da possível responsabilização das pessoas usadas como hub para fazer crescer marcas e campanhas nas redes sociais em caso de excessos das balizas legais;
-
Estamos falando da preparação que uma mãe deve ter quando decide avalizar uma marca em público para que não coloque os seus seguidores – por mais qualificados que sejam – em perigo;
-
Estamos falando da capacitação que um disseminador de mensagem deve ter quando decide como vai mergulhar numa campanha, para saber o que pode e o que não pode ser dito sobre aquele produto/marca;
-
Estamos falando de uma certa sabedoria para saber quem é quem na fila do pão entre os assessores de imprensa e agentes de mídia social para que possam confiar que o trabalho que fazem é sério e está dentro das balizas legais/éticas.
Algumas as blogueiras estão aborrecidas porque não receberam apenas os tapinhas nas costas aos quais estão acostumadas: sentiram-se pessoalmente atingidas pelas críticas dirigidas à uma campanha da indústria, mesmo depois que cada possibilidade de identificação da sua participação foi excluída da denúncia.
Agora, na falta da possibilidade de admitir que não perceberam a roubada em que estavam se metendo, estão desviando do debate que realmente importa: fazer publicidade de mochila, de tiara, de sapato não é a mesma coisa que fazer publicidade de produto farmacêutico ou alimentício!
Quem vive relações comerciais com agências de mídia, assessorias de imprensa e anunciantes precisa fazer este percurso e debater a sua própria responsabilidade. Nós ouvimos, cedemos e reparamos o post onde ele foi considerado ofensivo às mães. Concedemos mesmo tendo perdido o impacto visual que dava sustentação à denúncia para o nosso público: fizemos o que pediram, mas agora ainda há quem continue difamando o Milc e as suas administradoras.
Não seremos nós que vamos dizer o que as blogueiras devem fazer. Não temos sequer autoridade para ditar quais são os limites. Ninguém, senão o grupo de blogueiras profissionais, pode fazer este debate sobre sua responsabilidade diante dos seus seguidores, dos seus críticos e diante dos órgãos fiscalizadores.
Esperamos que a discussão interna sobre excessos e possibilidades de responsabilização (até legal) seja feita rapidamente, porque a campanha da balinha com vitamina C artificial descortinou para nós um mundo que sequer pensamos existir. As agência estão incidindo de maneira agressiva sobre as mães e não podemos compactuar com esta abordagem. Agora que a porta foi aberta, não pouparemos críticas e denúncias a este tipo de campanha de marketing que tem como destinatário final as crianças.
Acreditamos num mundo em que as mães se apoiam mutuamente. E por isso buscaremos ter o máximo cuidado para que respingos não atinjam novamente as mães: nossa prioridade é desmascarar as campanhas (sejam elas quais forem), porque acreditamos num mundo em que valores humanos estejam acima dos interesses das empresas.
Dê-me esperança, não doces | imagem: grafite atribuído a Bansky
Tags: marketing de medicamento marketing digital proteção à criança publicidade infantil