Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Mal acabamos de comemorar a Semana Mundial do Aleitamento Materno e nossas caixas de mensagem começam a receber uma enxurrada de alertas sobre novos ataques das indústrias de leite de vaca sobre as mães e sobre as crianças.
Primeiro, recebemos a notícia de uma que resolveu usar as mães blogueiras como difusoras do seu aplicativo que tem a capacidade de transformar qualquer criança (e adulto!) em um filhote das mais variadas espécies de animais mamíferos para promover a marca nas redes sociais. Em seguida, chega outra em parceria com uma empresa de cosmético vendendo produtos alimentícios e prometendo dar cosméticos de brinde como se fosse troca de carinho.
Na ausência de atributos racionais suficientes para fazer vender seus produtos, usam, como sempre valores intangíveis para formar um diferencial. Ambas estratégias usam nossas memórias afetivas para nos convencer a comprar seus produtos. E aqui vamos tratar apenas da primeira.
Mercantilização da fofura
A primeira se vale de memórias afetivas que os adultos de hoje formaram quando eram crianças com uma campanha análoga: como não se afetar com a recordação da musiquinha e do filme na tevê com crianças fofas fantasiadas de bichinhos? Como não suspirar lembrando dos diversos ursinhos carregando caixas de leite descansando sobre o travesseiro da cama infantil ganhados depois de tomar litros de leite de vaca e recortar cupons? Como não lembrar da fofura da coleção e do filhote desejado que nunca estava disponível? Como não sorrir lembrando o quanto queria ser uma daquelas crianças dentro de roupas de pelúcia na tevê?
Para alavancar vendas, por meio das nossas recordações, a campanha original é repetida anos depois (porque é mais fácil dar um ‘banho de loja’ numa campanha velha do que criar algo novo tão ‘genial’ – genialidade e criatividade parecem tão escassas quanto a responsabilidade que tanto clamamos nos dias atuais).
Depois de tantos escândalos envolvendo a marca*, veremos se a campanha da década de 90 foi bem sucedida na fidelização do berço ao túmulo: se você vir um cara barbado com o carrinho cheio de caixinhas de leite de vaca da marca, vai saber que aquele é um consumidor fidelizado. Se a sua amiga postar uma foto de cada filho numa das fantasias de filhote disponíveis no aplicativo, você saberá que um dos seus grandes sonhos era aparecer na tevê no intervalo do desenho vestida de filhote.
Se os gráficos de venda subirem vertiginosamente, entenderemos que a emoção ganha da razão e a tática cansativa-clichê de usar crianças-cachorro-mulher em propaganda, infelizmente, ainda funciona. Saberemos que somos todos realmente muito ingênuos e que os publicitárias se sabem bem o que fazer com o tamanho da nossa ingenuidade. Saberemos que eles podem vender qualquer coisa.
—
O fato é que ambas as campanhas possuem em sua estratégia a ação de contatar as mães blogueiras – foram estas que vieram ao Milc avisar – para buscar contribuição na difusão da mensagem como formadoras de opinião que são. O poder de influenciar seguidores vem junto com a responsabilidade. Hoje em dia as mães blogueiras têm muito mais consciência da sua força, do seu poder de influenciar leitores e da sua responsabilidade.
Verdade que muitas mães-blogueiras ainda se deslumbram com ‘mimos’, expondo os filhos em favor de uma marca e acreditando que basta um disclaimer** padrão para escapar de críticas, mas percebemos que aos poucos este perfil vai mudando e as blogueiras mais profissionais e responsáveis desenvolvem critérios para aceitar ou não uma parceria.
* Basta fazer uma busca rápida na internet que encontramos muitas notícias negativas que vão de denúncias de falência fraudulenta a contaminação de lotes de leite, todas com ampla repercussão.
**Uma ressalva ou aviso legal ou termo de responsabilidade ou ainda, em inglês, disclaimer é uma referência ou aviso. No caso o clássico “O MINISTÉRIO DA SAÚDE INFORMA: O ALEITAMENTO MATERNO EVITA INFECÇÕES E ALERGIAS E É RECOMENDADO ATÉ OS 2 (DOIS) ANOS DE IDADE OU MAIS”, assim em letras maiúscula mesmo.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
Tags: marketing de alimentos mídia e mães blogueiras publicidade infantil