Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
“Uma em cada três crianças está acima do peso
Pessoas muito poderosas atrapalham a luta dos pais:
os filhos”
É com a demonização das vítimas que começa um vídeo de uma campanha supostamente educativa que aparentemente tenta combater a epidemia de obesidade infantil em curso no Brasil. Na sequência, as crianças entrevistadas, gordas e magras, mas sem nenhum evidência de má saúde, explicam no que consiste a estratégia usada para atrapalhar a luta dos seus próprios pais contra a sua obesidade: a insistência, ao tempo que enfatizam a eficiência do método: “sempre acaba funcionando”, elas dizem.
As mães (apenas um único pai), então, ratificam que, de fato, o método funciona. Que não conseguem dizer o tão desejado ‘não’ diante de pedidos que elas sabem ser prejudicial para seus filhos. Em seguida, as crianças são apresentados aos riscos da má alimentação – colesterol, glicemia, etc – mas, mesmo cientes dos males e das consquências, as personagens afirmam que irão continuar pedindo doces: pobres crianças, não sabem o que fazem… Pobres adultos, dormindo com o inimigo.
Mas o nosso inimigo, coleguinhas, não está dormindo na cama infantil no quarto ao lado (ou no meio da sua própria): o nosso maior inimigo está se esgueirando pelos corredores do congresso nacional em lobbys dispendiosas para impedir que logrem êxito as várias propostas de políticas públicas que tramitam na casa e que – estas sim! – melhorariam a saúde dos nossos filhos.
Diante desta campanha publicitária, penso eu que os planos de saúde, estes entes tão poderosos, deveriam, sim, estar lutando contra estes inimigos verdadeiramente poderosos e não contra mães e crianças inocentes.
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Enquanto eu assistia o início do vídeo, eu jurava que o seu tema era o ‘nag factor‘, este elemento que os publicitários utilizam em suas campanhas para fazer com que as crianças aprendam a vencer os pais pelo cansaço na realização das vontades ativadas pela publicidade. Eu jurava que era um vídeo pró-regulamentação da publicidade dirigida à criança, porque esta insistência das crianças que dobra os pais e causa a obesidade infantil está fortemente correlacionada à quantidade de propaganda que consomem.
Você não sabia? Experimente deixar sua criança uns meses sem ter acesso à publicidade (sem acesso mesmo, mas especialmente à publicidade audiovisual – tv e outras telas) e veja melhorar a sua qualidade de vida mesmo naquelas aterrorizantes visitas a shoppings e a supermercados.
A campanha supostamente educativa viabilizada por uma corporação de plano de saúde me parece superficial e charlatã por colocar uma culpa pela obesidade infantil exclusiva sobre a fraqueza os pais, além de demonizar as crianças, incentivar a guerra entre mães e não atacar a verdadeira vilã desta história: a indústria alimentar e a política de segurança alimentar mundial.
Ou você acha mesmo que a maioria das pessoas não está sujeita a uma lógica mundial do abastecimento de alimentos e está conseguindo escolher o que seus filhos comem?
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.
Tags: alimentação infantil campanhas culpa denúncias obesidade infantil