publicidade de alimentos / 28 de setembro de 2016

A publicidade e a glamourização das porcarias

Texto de Mariana Sá*

Todo mundo sabe que estamos comendo mal, que nossos filhos estão comendo pior. É verdade que quem compra os alimentos das crianças são os pais e estes depois sob a alegação de que os filhos não comem mais nada. Ou seja, se os filhos comem mal, a culpa é dos pais, certo? Certo! Mas errado também!

Ter esta convicção de que a qualidade da alimentação infantil é responsabilidade exclusiva das mães e dos pais equivale a a dizer que o fumante fuma porque quer e o governo não deve meter o bedelho na vida privada e escolha das pessoas. O que não é verdade, uma vez que temos provas de que a política antitabagista – que abarca a proibição da publicidade do tabaco, além do aumento nos valores dos imposto, as restrições de consumo em determinados locais e programas de atenção aos dependentes, entre outras – tornaram o ato de fumar cada dia menos comum. Ou seja, no caso do tabaco, sem publicidade e com informação, o ato de fumar que era puro glamour, símbolo de classe, de diferenciação, de poder, de inteligência, ou até de subversão, passa a ser tão somente um mau hábito, com cada vez menos apelo de consumo.

Faço um paralelo com a alimentação infantil ao falar dos bons resultados da política pública relativa ao cigarro para demonstrar a importância de replicarmos este raciocínio em relação às políticas de promoção da alimentação saudável: sem publicidade e com informação, os produtos alimentícios industrializados ricos em sódio, açúcar e gordura e de baixo valor nutritivo não seriam símbolo de status nem para crianças, nem para adultos. Sem publicidade e com informação (o que inclui a boa rotulagem e a difusão de informação livre de interesses comerciais na mídia) as pessoas não seriam enganadas por marcas que posicionam as suas porcarias comestíveis como produtos sem risco, adequados, ou mesmo saudáveis e fundamentais para o bom desenvolvimento infantil.Tenho idade suficiente para lembrar que no início do plano real os noticiários comemoravam o crescimento das vendas de alimentos, como consequência do crescimento do poder de compra, o que fez com que o brasileiro passasse a consumir mais proteína proveniente do frango e mais produtos de maior valor agregado, como é o caso das ultraprocessadas bebidas lácteas, chamadas erroneamente de iogurtes. Comemorávamos o fato de mais gente poder comer mais porcaria e o resultado depois de 20 anos é uma população ainda meio desnutrida, porém cada vez mais obesa e com problemas de saúde correlacionados ao consumo de produtos inadequados em excesso.

O fato é que, em pleno século 21, com muita publicidade e pouca informação, os alimentos industrializados têm sido glamourizados por propagandas – merchandising, product placement, e etc – e, por isso, enquanto os pacotes e latas crescem, o consumo do nosso querido feijão com arroz, super nutritivo, cai.
Sem tanta publicidade e com muito mais informação, com conclusões mais verdadeiras sobre os produtos oferecidos nas prateleiras em latas, vidros, plásticos, caixas e pacotes, as mães não acreditariam que está tudo bem oferecer no café da manhã sobremesas doces (achocolatado e petit suisse é sobremesa), ou substituir o aipim, o inhame ou o cuscuz por qualquer cereal encaixotado e estampado com mascotes e personagens.Acho que a mídia vem fazendo uma parte importante na distribuição de informação quando põe no ar programas culinários que valorizam os ingredientes frescos ou entrevista especialistas que valorizam uma dieta mais natural possível, mas o jornalismo e o entretenimento não tem nem feito cócegas nas vendas por conta da excessiva abusuvidade da publicidade e das demais artimanhas do marketing que incide sobre crianças e mães em todos os lugares (tevê, escola, ponto de venda, etc). Quem sabe se, como no caso do cigarro, o departamento comercial não pudesse fazer negócios com empresas de alimentos ruins, a redação pudesse falar a verdade sobre os prejuízos, apontando os culpados e dando nome aos bois?

Não se enganem, não somos apenas mal informados, tem muita pesquisa de mercado para descobrir como faz para convencer uma mãe a dar fórmula de lata ao invés do leite materno e a dar petit suisse ao invés de um bifinho… A qualidade na alimentação das crianças – e dos adultos – é resultado de muita grana investida para nos fazer acreditar que é cool, chique, bacana, descolado, moderno, comer glamour, se alimentar de produtos com grife – coisas prontas, embaladas num way of live urbano e simbólico. Quem não quer participar da festa do consumo? Só entra neste camarote quem desfila marcas no cupom fiscal da feira da semana.

Concluindo: os pais são responsáveis, é claro que são. As escolas são responsáveis: também. Mas o governo, em nome da saúde pública, tem o direito e o dever de intervir nesta farra. Dentro dos pacotes que ostentamos hoje, estão também a obesidade, a hipertensão e o diabetes que nossos impostos pagarão no futuro. Compreender que a informação ainda é recurso raro e usar o poder do estado para interferir neste jogo é fundamental para tirar o trem da má alimentação do trilho de nos levará ao colapso.

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Texto publicado 8 de junho de 2012 no blog materno Viciados em Colo com pequenas edições para atualização.


Tags:  marketing de alimentos proteção às crianças regulação regulamentação rótulos. rotulagem saúde saúde pública

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