Nesta coluna o Milc convida os leitores a enviarem suas dúvidas à especialista em Direito do Consumidor Melissa Areal Pires* da Areal Pires Advogados Associados. Neste artigo, Melissa fala sobre um tema que sempre causa dúvidas aos pais: contratos com escolas.
Nessa época do ano muitos pais me procuram com dúvidas sobre eventual irregularidades nas condutas do estabelecimento de ensino no momento da contratação para o ano letivo dos seus filhos, especialmente sobre o matrícula e material escolar.
Importante não esquecer que a relação com o estabelecimento escolar é de consumo e isso significa que os alunos e pais contam com a proteção do Código de Defesa do Consumidor. Direitos básicos previstos em lei devem ser resguardados no contrato de prestação de serviços a ser celebrado com o estabelecimento de ensino, como informação clara sobre os serviços, proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas bem como a reparação de prejuízos morais e materiais.
Infelizmente, práticas ilegais por estabelecimentos de ensino continuam ano a ano a serem identificadas, especialmente no que tange a matrícula e material escolar.
Destaco aqui algumas e pretendo esclarecer e orientar quem passa por elas.
O primeiro problema que os pais enfrentam na hora da matrícula é a cobrança da taxa de matrícula. Algumas escolas, para garantir a vaga do aluno, exigem pagamento da chamada “reserva de matrícula” sem integrar o valor à anuidade/semestralidade do curso. Ou seja cobrar a anuidade ou semestralidade e mais a taxa de pré-matrícula é uma conduta ilegal!
Uma outra questão que também é bastante questionada é sobre desistência do curso, devolução de valores e pagamento de multa. Se o aluno desistir do curso antes do início das aulas, deve prestar atenção se existe no contrato previsão de multa. Se existir, ela poderá ser cobrada do aluno mas não deverá ser superior a 10% do valor proporcional aos meses restantes até o término do contrato. Se desistir depois do início das aulas, as decisões judiciais caminham no sentido de desobrigar a escola de devolver o valor antecipado pelo aluno.
Em tempos de crise, a inadimplência cresce. Contudo, o aluno só pode ser considerado inadimplente após três meses de atraso da mensalidade, a partir de quando poderá ter seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito e ser cobrado judicialmente. Ainda neste tema, importante esclarecer que o estabelecimento de ensino pode negar a renovação da matrícula de alunos em dívida com a instituição. Entretanto, deve manter a prestação dos serviços, sendo impedido de cancelar a matrícula antes do fim do ano ou semestre (conforme o caso), de exigir pagamentos para autorizar aluno a assistir aula, realizar provas ou outras atividades curriculares ou reter documentos.
Sobre material escolar, trata-se de conduta ilegal do estabelecimento escolar a exigência, na lista de material, de produtos de uso coletivo, como os de higiene e limpeza. Mais exemplos de produtos que não podem ser exigidos: copos e talheres descartáveis, grandes quantidades de papel, tinta para impressoras, grampeador, grampos e pastas classificadoras. Os custos deste tipo de material devem ser computados no cálculo das mensalidades. Também não podem ser exigidos marcas ou lojas específicas para compra do material, nem mesmo exigir que o material didático seja adquirido dentro do próprio estabelecimento de ensino (exceção são as apostilas da própria escola, visto que não são vendidas no mercado), sob pena de, caso contrário, restar caracterizada a venda casada, que é expressamente proibida pelo art. 39, I do Código de Defesa do Consumidor. Então, o que pode ser exigido? Livros didáticos, material de uso individual como lápis de cor, caneta, régua e outros. Aparelhos eletrônicos, como tablets, desde que os pais sejam avisados antes da matrícula. A taxa de material escolar só pode ser exigida se a escola informar os produtos que serão adquiridos e o valor e se dar ao aluno a opção de comprar particularmente. Para os uniformes escolares, é lícito ao estabelecimento indicar locais de compra, se possuir marca registrada.
Penso que uma boa prática que deveria ser incentivada e que não tem nada de ilegal seria a reutilização de livros didáticos, se a obra não estiver desatualizada e o conteúdo inadequado. Neste caso, a escola não pode impedir o aluno de reutilizar o livro (deveria até mesmo incentivar a prática sustentável).
E o que fazer em caso de problemas? Primeiramente, conversar amigavelmente com a escola, buscar apoio com outros pais da mesma instituição e, se não resolver, reclamar judicialmente. Os Tribunais são bastantes sensíveis a essas questões e decidem favoravelmente ao consumidor quando seus direitos são desrespeitados.
(*) Melissa é advogada graduada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós Graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá/EMERJ, com atuação profissional voltada para o Direito do Consumidor e Direito à Saúde. Membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/Barra da Tijuca/RJ. Membro da 1ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Colaboradora do programa de rádio “Reclamar Adianta” da Rádio Bandeirantes AM 1360. Autora de artigos publicados em veículos de comunicação renomadamente conhecidos, para os quais também colabora com as matérias jornalísticas. Sócia fundadora do Areal Pires Advogados Associados.
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