Texto de Patrícia L. Paione Grinfeld*
Nasci e cresci em terra de São João, paulista. Por alguns anos, minha vizinhança se reuniu fazendo festa com fogueira, bandeirinhas, biribinha e busca-pé. Não faltava sanfoneiro, nem quadrilha. As comidas típicas, feitas pelas mãos habilidosas de cada vizinho, eram dispostas numa mesa grande armada em um terreno ainda sem construção.
Os anos se passaram. A cidade cresceu e a Prefeitura não autorizou mais o fechamento da rua. Por um tempo, as festas ficaram restritas às escolas, à igreja do bairro ou a algum sítio, até que uma das praças do centro passou a ser fechada nas noites do fim de semana que fazia ponte com o feriado de São João. Em toda praça eram montadas barraquinhas de bambu, as quais eram concedidas às escolas do município e a organizações beneficentes. Cada uma oferecia o que tinha de mais especial.
A responsabilidade das barracas das escolas em que estudei era da 8ª série (atual 9° ano) e do 3° colegial. A cada ano, essas turmas trabalhavam para arrecadar fundos para a tão sonhada e esperada viagem de formatura.
Era 1986. Ano de Copa do Mundo, também. Em pequenos grupos, saímos pelo comércio da cidade pedindo prendas, que se somavam a outras tantas feitas por nós e nossas famílias (cartucho de doces era o campeão, em todos os sentidos – morro de saudade deles!). Muitos comerciantes já deixavam suas doações separadas. Outros se recusavam, alegando que só contribuiriam com as escolas estaduais (a minha era particular). Três anos depois, já não existia mais esse ritual. A barraca do meu 3° colegial restringiu-se apenas a comidas, bebidas e correio elegante. Mais alguns anos se passaram, a festa mudou de lugar e seu caráter comercial, mesmo que por uma boa causa, foi ocupando o espaço das músicas, das danças, dos encontros e, acima de tudo, da transmissão de uma cultura local, tão presente nas primeiras festas juninas que participei.
Por alguns anos, vivendo em São Paulo, encontrei poucas festas que tenham apenas o intuito de reunir pessoas, fortalecer uma comunidade, transmitir uma cultura. Cada vez mais, inclusive nas escolas, as festas têm patrocinadores (lê-se: anunciantes). Não se entra sem pagar entrada. Não se brinca ou se come sem comprar algum ticket. Bolo de fubá é produzido por uma das tantas lojas de bolo que invadiram a cidade e não assado no forno da casa de algum participante, embrulhado com carinho em papel celofane. As prendas não são mais feitas ou doadas, mas compradas de sacolada na Rua 25 de Março – sem falar que são um monte de cacarecos que em pouco tempo, às vezes horas, vão parar no lixo!
Hoje, olhando com outros olhos, penso que de alguma maneira os comerciantes que na minha adolescência se recusavam a contribuir com nossa festa, sabiam que não éramos consumidores de suas lojas. Portanto, não havia motivo para nos patrocinarem. Eles precisavam encontrar formas para não serem engolidos pelas redes do varejo. Do nosso lado, tentávamos com atrações não juninas uma alternativa para a sobrevivência da festa.
Embora nos divertíssemos muito e aprendêssemos com o trabalho em equipe, a festa, para quem estava do lado de dentro da barraca, tinha um objetivo claro: o lucro. Entendo que as organizações precisam encontrar alternativas para angariar fundos, mas me pergunto se essa comercialização das festas juninas, que já vem acontecendo há tantos anos mesmo que de maneira sutil, não vai esgarçando aos poucos nossa identidade (festa junina é uma de nossas mais tradicionais festas populares!). Além disso, penso que a mensagem que estamos deixando para nossas crianças é que para nos divertir, estar junto, transmitir cultura e fazer parte de uma comunidade é preciso consumir. Será que precisa ser assim?
Imagem: “Festa de São João”, de Volpi, pintada na década de 40
(*) Patrícia mora em São Paulo, é psicóloga e 2x mãe. Por acreditar que pequenas atitudes podem ser transformadoras, faz seu trabalho de formiguinha na vida e na profissão. É idealizadora do blog Ninguém cresce sozinho e nunca acreditou tanto na importância do trabalho do MILC quando, ao ler “Bruxa, Bruxa, venha à minha festa” para um grupo de crianças entre 2 e 8 anos, uma menina com 3 disse: “Olha a Barbie”, apontando para a chapeuzinho vermelho da história. www.ninguemcrescesozinho.com
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