Argumentos furados a favor da publicidade infantil

Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto*

Há alguns anos, os mecanismos de busca da web retornavam pouco material sobre a discussão da abusividade inerente à  publicidade infantil. Hoje , graças a pessoas e entidades engajadas na luta, entre as quais o Milc está incluído, pesquisa na web sobre publicidade infantil bomba. Experimente fazer uma busca. São páginas e mais páginas sobre o tema. E são as mais variadas, desde artigos acadêmicos até discussões entre pais e mães, publicitários, desenhistas, todo mundo debate publicidade infantil.

Você, que lê este post pode ser contra ou a favor da regulação da publicidade dirigida a crianças. O que não é possível negar é que o tema cresceu muito nos últimos dois anos. E quando um tema ganha espaço nas discussões, aparecem os argumentos contrários e favoráveis. Alguns com fundamento e outros completamente furados. Nas últimas semanas argumentos contrários à regulação da publicidade infantil vem pipocando . Além de alarmistas, são argumentos sem fundamentos ou , melhor explicando, completamente furados. Listamos alguns a seguir:

1- “Cresci assistindo comerciais na tevê, eles eram muito piores que os de hoje e eu não morri”

Argumento furado. Que não morreu a gente já sabe, ou não estaria por aí dizendo esse tipo de coisa. E claro, nós adultos fomos expostos à publicidade na infância em tempos politicamente incorretos, quando era  aceitável a foto de uma criança fumando um cigarro de chocolate e não… morremos. Como devem ter sido difíceis os anos imediatamente posteriores à libertação dos escravos. Muita gente deve ter dito coisas do tipo: “Eu tive muitos escravos em casa e não morri!” E antes que alguém comente que uma coisa não tem nada a ver com a outra eu preciso insistir. Tem, sim. Os tempos mudam e às vezes eles mudam rápido. Situações aceitáveis em uma geração passam a ser consideradas abusivas na próxima. Foi assim com a escravatura, com o cigarro, recentemente com a cadeirinha para passeio no carro e, posso apostar, será assim com a publicidade infantil. Então, nós todos que assistimos a propagandas bizarras para crianças quando éramos pequenos e não morremos bem que poderíamos nos conscientizar de que, além de tudo, nunca uma geração viu tanta tevê e teve tanto acesso à publicidade infantil.

“Em recente pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP), orientada pelo Prof. Samuel Pfromm Netto — autoridade indiscutível na matéria, professor de pós-graduação em Psicologia na Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Academia Paulista de Educação — os resultados indicam que a criança brasileira assiste atualmente, em média, a 5:30 horas de TV por dia.

Pfromm Netto afirmou também que “as crianças brasileiras estão vendo, em média, mais televisão do que as de outros países”, o que o leva a qualificar a TV como uma “segunda escola, a ‘escola paralela’ de que fala Friedmann”. Com a agravante de que “uma grande porcentagem de brasileiros, com menos de 12 anos de idade, passa mais tempo diariamente diante da ‘escola’ da televisão do que a sala de aula” informação daqui.

As pesquisas também relacionam a alta exposição à publicidade aos alarmantes índices de obesidade infantil no Brasil e no mundo. ( saiba mais aqui) Então, ninguém morre de publicidade, mas de doenças relacionadas à obesidade. Quem não morre disso, morre de tédio. Quem aguenta tanta propaganda no intervalo do desenho?

2. A culpa é dos pais que não sabem dizer NÃO!

Esta é clássica. Os pais são culpados de tudo. Se atendem aos desejos das crianças, são culpados de indulgência em último grau. “Não se educa mais como antigamente”.  Se, armados com um pouco mais de informação – este bem tão valioso e tão sonegado atualmente – procuram alternativas  ao estilo de vida consumista proposto pela propaganda, os pais são culpados de alienar os filhos. Como viver sem saber o último lançamento das bonecas xyz? Não dá mesmo, um absurdo.

Temos segundo esta ótica míope, apenas dois tipos de crianças:  as que fazem só o que querem, ou que a propaganda diz que elas querem – que é a mesma coisa – e as que são alienadas dessa vida cor de rosa. Tudo culpa dos pais. E quem são os pais? São os seres que não podem ligar a tevê para assistir a um desenho com os filhos sem terem que explicar que aquele empanado de frango com personagem tem mais sódio que o corpo da criança precisa para o dia inteiro. Os pais que não sabem disso, assistem ao desenho e são culpados por dar comida porcaria para as crianças. Os pais tem culpa de ter nascido. Não, pera lá, isso é culpa dos pais deles.

3. A regulação da publicidade infantil acabou com a programação infantil na tevê

Esta é nova. E criativa. Até hoje não temos no âmbito federal uma lei que proíba a publicidade infantil. Para dar apenas um exemplo, em janeiro de 2012, a Rede Globo deixou de apresentar diariamente o TV Globinho. Não havia naquela época nenhuma norma que proibisse a publicidade e, teoricamente, inviabilizasse a programação infantil.

O que havia era falta de interesse dos anunciantes aparentemente pela tendência do telespectador a migrar para a tevê por assinatura. Tanto que, em julho de 2012, a Globosat, empresa da TV Globo lançou o canal fechado Gloob, inteiramente dedicado à programação infantil.  Saiba mais aqui e aqui. Somente em abril de 2014, o Conanda, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, editou a resolução 163, que trata da abusividade da publicidade infantil (entenda a Resolução aqui) .

Conclusão: ou  empresa de telecomunicação contratou uma vidente ou este argumento merece o Troféu Peneira.

 

Enfim, existem alguns outros argumentos furados a favor da publicidade infantil que podem transformar este post numa série, para não cansar o leitor, vamos falar sobre eles aos poucos. Contra o #mimimi de quem não aceita a evolução da sociedade fica a certeza de que, com o fim da publicidade infantil não teremos um país das maravilhas, mas  crianças menos expostas ao assédio para consumo de produtos que somente os pais ( os culpados do ítem 2) tem condições de decidir se valem a pena ou não. Quer vender para criança? Fale comigo. Eu já estou acostumada a levar a culpa. 

 

(*) Vanessa é mãe do Ernesto, escreve no Mãe é tudo igual e adora contra-argumentar.

 


Tags:  #publicidadeinfantil Conanda regulamentação

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Mariana Sá




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