Texto de Mariana Sá*
Na semana passada, recebi de uma colega uma notícia estarrecedora: “Produtos ‘Hello Kitty Party’ foram apreendidos, nesta quarta-feira (16), durante fiscalização realizada pelo Procon-BA. A medida foi motivada por denúncia de uma consumidora sobre a presença de receitas contendo bebidas alcoólicas em fascículos destes produtos, que são destinados ao público infantil. Os itens foram retirados das prateleiras de bancas de revistas de diferentes bairros de Salvador.” Estavam sendo vendidos em bancas de jornal e algumas livrarias conjuntos de louça (pratos, xícaras, tigelas) estampados com a Hello Kitty, acompanhados de fascículos também ilustrados com a Hello Kitty, editorados com elementos infantis, contendo receitas com bebidas alcoólicas. Como assim? Álcool em receita para criança?
E nem sei se o álcool é a pior parte: o fascículo a que tive acesso continha o receituário para fazer um jantar romântico (o_O) nos moldes de revistas femininas, naquele estilo “como agarrar seu macho!”.
Eu já tinha visto a coleção na banca, e o apelo é 100% infantil, nem para adolescente é! Mas, ao ver as imagens das partes internas dos fascículos, tive uma pequena falta de ar, uma leve tontura. Lendo o texto da apresentação do fascículo “jantar romântico” (oi?), realizei como estão matando a infância no nosso país! Coloquei-me no lugar da mãe que quinzenalmente volta da banca e entrega à filha ansiosa um pacote contendo um fascículo e um brinde colecionável: eu não me sentiria na obrigação de checar o conteúdo dos textos – no máximo verificar se o brinde é seguro. Ficaria ali feliz vendo a coleção tomar forma e imaginando promover uma tarde de brincadeiras com as amigas. Afinal é um conjunto de chá decorado com uma personagem infantil… Que tipo de conteúdo ou receitas estariam ali? No máximo, receitas de sanduichinhos e bolinhos para um divertido lanche… Mas o fato é que temos que olhar TU-DO antes: do DVD à revistinha, passando pelo dever de casa e pelos games na web.
Vejam as imagens e verifiquem com seus próprios olhos se este conteúdo é próprio para crianças – se imaginem crianças de oito-dez anos lendo o texto da apresentação. Posso soar moralista, mas não é este tipo de conteúdo que quero que a minha filha acesse, nem a sua e nem a do vizinho. E estes caras querem nos convencer de que as empresas são responsáveis? Que tipo de editora preguiçosa faz um copia-cola de alguma outra coleção qualquer e endereça às crianças? Que tipo de equipe deixa passar uma coisa dessas? Que tipo de profissional está trabalhando para “atender as demandas das crianças”? Empresa e profissional responsável só existem quando são fiscalizados pelos olhos atentos da sociedade e punidos pelas mãos fortes do Estado.
Mas vão achar um jeito de colocar a culpa nas mães: “vocês deviam ter checado!” Já posso ouvir os julgamentos. Desta vez, Elena Orge Pimenta Machado checou e, em vez de tomar medidas individuais (desligar a tv, conversar com a filha, jogar fora a revista), saiu dos seus cuidados e foi exercer seu papel de cidadã, levando o caso ao Estado, denunciando, procurando meios para que medidas fossem tomadas em todo o país – como fazemos aqui no Infância Livre de Consumismo todos os dias.
Fez muito bem o Procon-BA! E agora fico me perguntando qual terá sido o destino da publicação em outros locais do país.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com
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