outros / 19 de novembro de 2012

Bois, piranhas e publicidade infantil

Texto de Ana Julia Portela*

Imagem de http://migre.me/bWLxn

Quando o boiadeiro precisa atravessar um rio cheio de piranhas, ele sacrifica uma vaca. Assim, todas as piranhas atacam-na, enquanto o restante da boiada passa tranquilamente.

É a velha tática de desviar a atenção.

O debate é sobre regulação da publicidade, mas os defensores da autorregulamentação insistem em falar de educação domiciliar. E, de uma hora para outra, todo publicitário agora virou conselheiro de mães, prescreve livros sobre como dar limites aos filhos, cita psicólogos, camaradagem só. Mas não posso evitar a pergunta: quem passou procuração para essa turma falar de educação? Por que em vez de discutir sobre os abusos da propaganda, preferem falar de disciplina infantil? Por que se calam diante da publicidade abusiva, como nos casos da Grendene, da Telessena de Páscoa, dos Ovos Skol e do Parque da Xuxa?

Não é mais lógico que esses senhores falem das faltas da publicidade em vez de falarem das faltas parentais? E por que não o fazem, então?

Para entender esse mistério, recorrerei às teorias da análise do discurso. O que faz uma pessoa, quando, numa discussão, faltam-lhe os argumentos? Ou ela muda de lado ou muda de assunto. Mudar de lado requer humildade e regeneração; mudar de assunto só requer uma dose de esperteza. Assim, para fugir ao constrangimento de ter de se explicar, nada melhor do que mencionar os defeitos e fraquezas do interlocutor, ainda que estejam completamente fora do alvo da conversa.

Pronto, está feito: em vez de discutirmos os abusos cometidos pelo marketing infantil, passamos a discutir a educação do lar. Simples assim.

A estratégia da ABAP (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) é enfraquecer, iludir e, se possível, moldar a opinião pública. Diante disto, a sociedade nem se dá conta de que os abusos cometidos pela publicidade infantil não são condicionados pela educação do lar. Dá atenção a uma vaquinha-bode-expiatório, enquanto a boiada abapiana saltita, poluindo a água límpida e cristalina com respingos consideráveis de estrume.

Pais têm o dever de educar os filhos. A publicidade tem o dever de agir eticamente. E o Estado tem a obrigação de impedir os abusos publicitários. É tão difícil entender isso?

Até quando os defensores da autorregulamentação vão se esconder na barra da saia das mães?

*Ana Julia é mãe, professora, violoncelista, estilista, pós-graduada em Psicomotricidade pela PUC-Minas e autora do blog Ensine seu filho



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Mariana Sá






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