Texto de Natalie Catuogno*
O SBT deve faturar R$ 100 milhões, em 12 meses, apenas com a publicidade e os licenciamentos da novela infantil “Carrossel”, o remake brasileiro de um folhetim mexicano que fez sucesso nos anos 90 na mesma emissora.
Os dados são de uma matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo em 21 de outubro, que também dava conta do seguinte: a novelinha dá 14 pontos de audiência (60 mil domicílios por ponto, o que dá uma média de 840 mil casas ligadas na trama, todos os dias); tem 200 itens licenciados e um CD de trilha sonora que vendeu 120 mil cópias.
Sucesso retumbante para uma emissora que, há não muito tempo, perdia o segundo lugar na preferência para a Record e perigava perder também o terceiro para “nanicas” como a RedeTV.
Não à toa, a emissora está cheia de planos. Ao portal “Imprensa”, o vice-presidente do SBT, José Roberto Maciel, declarou que a intenção é criar um desenho animado e um longa baseados na novela. O SBT já planeja, também, uma nova versão da “Chiquititas”, cujo texto está sendo escrito pela Íris Abravanel, que também assina a autoria de “Carrossel”.
“#carrosseldomerchan”
Até aí, tudo bem. Ninguém é contra o faturamento do SBT. O problema, no entanto, é que parte desse lucro vem do merchandising dirigido às crianças, protagonizado pelos pequenos, disfarçadinho de enredo.
O Código de Defesa do Consumidor e o Código de Autorregulamentação Publicitária proíbem merchandising voltado para o público infantil. Ou seja, não deveria acontecer esse tipo de ação nem em programas classificadas como infantis (caso da novela) nem com produtos cujo consumidor seja uma criança.
Não deveria haver sequer um único merchan em “Carrossel”.
Mas há uma infinidade deles. Blocos quase inteiramente dedicados a narrativas e diálogos –com as crianças como protagonistas—cujo único objetivo era enaltecer “qualidades” de produtos e marcas como bonecas, TVs por assinatura, chocolates, redes de supermercados.
O exagero foi tanto que o Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) deflagrou uma campanha nas redes sociais, durante o mês de outubro, evidenciando o desrespeito flagrante à legislação e ao próprio código interno dos publicitários.
A campanha movimentou nossa página no facebook e o blog. Em números, representou um aumento de quase 150% no total de “pessoas falando sobre isso” na mídia social. O alcance semanal no período auge da campanha, no FB, cresceu 30%.
Mas o que é mais importante: recebemos depoimentos de mães que proíbem os filhos de assistir, daquelas que preferem sentar junto com as crianças para assistir e comentar, das que assistiram algumas vezes e resolveram banir a novelinha e também dos pais que não veem problema no entretenimento infantil. Algumas dessas mães, inclusive, colaboraram com o blog do movimento, relatando suas experiências.
Muitas das nossas postagens no Facebook sobre o tema renderam centenas de “likes” e compartilhamentos e suscitaram dezenas de comentários, aprofundando o debate em torno da regulamentação da publicidade dirigida ao público infantil, que é um dos principais objetivos do MILC.
Comentários sobre, por exemplo, a demora na ação tanto do Conar (o órgão responsável pela autorregulamentação publicitária) quanto do Procon trouxerem à tona desdobramentos do desrespeito em si. De que adianta ter uma norma que não é levada a sério pelo próprio órgão que a editou? De que adiante o Conar agir contra esse abuso quando o impacto sobre as crianças já tiver concretizado?
O Procon-SP está de olho nos exageros da novelinha. Em parceria com o Instituto Alana, a fundação de defesa do consumidor está tentando, desde o início de outubro, barrar as ações de merchandising do programa infantil.
Mas é importante que nós, da sociedade civil, mostremos que estamos vigilantes. Precisamos continuar de olho na novelinha e denunciar para que a prática do merchandising seja uma coisa do passado. O alcance dessa campanha deixa claro não apenas que o assunto interessa a muita gente, mas, principalmente, que as pessoas estão dispostas a debater, discutir, opinar e cobrar ações de proteção da infância. Promover o debate–um de nossos objetivos–é, ao mesmo tempo, informação e demonstração de que nós, mães, estamos assumindo as rédeas em benefício dos nossos filhos.
Não somos todos responsáveis? Pois bem, nosso quinhão de responsabilidade é também debater, questionar, cobrar, exigir que as leis sejam cumpridas e que outras leis sejam promulgadas, se necessário, no interesse dos cidadãos em formação.
*Natalie Catuogno é mãe do Enzo, jornalista e autora do blog Mãederna
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