publicidade de alimentos / 21 de fevereiro de 2013

Com a palavra, a nutricionista: Claudia Olsieski da Cruz fala sobre suplementos alimentares

Texto de Paloma Varón*

[Esta entrevista é a continuação deste texto, publicado na terça-feira, 19/2.]

Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) – O que a sra. acha de suplementos alimentares como o Sustagen Kids?

Claudia Olsieski da Cruz – Suplementos alimentares são, na maior parte das vezes, dispensáveis. Uma alimentação balanceada e equilibrada consegue fornecer, de maneira natural, todos os nutrientes de que necessitamos diariamente.

MILC – A sra. acha que produtos como estes, ainda mais da forma como são anunciados, podem contribuir para a “epidemia” de obesidade que começa a se alastrar pelo Brasil?

COC – Sem sombra de dúvidas! A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) já vem apontando o marketing de alimentos como um dos fatores responsáveis pelo elevado número de casos no mundo inteiro desde 2002.

A publicidade se utiliza da fragmentação de ideias. É um pedacinho do cotidiano que é mostrado; por exemplo, um filho que não quer comer frutas e legumes e uma mãe desesperada com isso. Totalmente plausível. Qual a solução para o problema? Um produto que teoricamente substitui as frutas e legumes, e ainda por cima é mais gostoso. Simples assim. Só que nossas vidas estão mergulhadas em inúmeras redes, relações, sentimentos, preocupações e necessidades, e apenas aquele pedacinho mostrado na publicidade não representa nossa vida toda. Mas essa reflexão não interessa à publicidade. Não é à toa que os comerciais duram apenas 30 segundos. Quando você começar a pensar sobre o assunto, já estará sendo bombardeado pelo próximo anúncio.

Por outro lado, também não significa que o fato de você ter visto o anúncio de batata frita vai torná-lo necessariamente obeso. É nisso que o setor publicitário se pauta para justificar que não está fazendo nada errado. Segundo o ponto de vista deles, a função do anúncio é vender. Se você faz uso exagerado e errôneo do produto, o problema é seu, e apenas seu! Ou pior, o problema é da mãe, que deixa o filho comer errado. É uma justificativa simplista que não exime a publicidade do panorama que encontramos na Saúde com os casos de sobrepeso e obesidade subindo vertiginosamente. Especialmente porque não é somente o anúncio de um produto, ele vem revestido de uma (ou várias) camada(s) de sonhos, aventuras, perfeição e felicidade. Quem não gostaria de viver eternamente num comercial de margarina? Se essas estratégias de valorizar o “ter” em detrimento do “ser” nos pegam, imaginem as crianças?

Logo, se por um lado temos nossa responsabilidade como pais com relação ao que nossos filhos comem, a publicidade também não pode se eximir de responsabilidade ao anunciar seus produtos de forma a “munir” as crianças com argumentos de convencimento para as compras. A indústria de alimentos também tem uma boa parcela de culpa por produzir alimentos com qualidade nutricional ruim. E o governo, que conta com pouquíssimas iniciativas em favor do consumidor, também precisa tomar a rédea da regulamentação da publicidade de alimentos. A “liberdade de expressão comercial” alegada pelo setor publicitário jamais pode se sobrepor ao direito à saúde e à informação da população.

MILC – Analisando o rótulo do Sustagen Kids, mesmo com toda a adição de vitaminas, dá para dizer que é um produto saudável? Quais os efeitos a longo prazo desse produto?

COC – A lista de ingredientes é obrigatória segundo a Resolução nº 259/2002 da ANVISA, que estabelece a questão da rotulagem de alimentos. O artigo 6.2 diz que a lista dos ingredientes deve estar em ordem decrescente de quantidade, isto é, o primeiro ingrediente é o que está em maior quantidade, e o último tem a menor quantidade na porção. E adivinhem qual ingrediente encabeça a lista do Sustagen Kids? Sacarose. Sim, o bom e velho açúcar! Nos três sabores: morango, chocolate e baunilha. Em seguida, no sabor morango, vem o leite em pó desnatado instantâneo, a maltodextrina (outro tipo de carboidrato). Depois a lista prossegue com várias vitaminas e minerais adicionados quimicamente à fórmula, seguidos de um estabilizante. Você deve estar se perguntando: e o morango? O “corante artificial vermelho 40” e o “aromatizante” estão na fórmula para dar cor e sabor de morango.

Lembro que necessitamos de carboidratos em nossa dieta para o bom funcionamento do organismo. Existem diversos tipos de carboidratos, dentre eles o açúcar refinado (a sacarose da fórmula), que deve ter seu consumo restringido. Logo, se consumo mais carboidratos do que realmente necessito e não incluo nenhuma atividade física para queimá-los, a tendência é que eu os armazene no organismo. A médio e longo prazo, pode significar sobrepeso e/ou obesidade.

As demais vitaminas e minerais acrescidos quimicamente na fórmula estão amplamente distribuídos na natureza. Uma alimentação que contenha alimentos variados fornece toda a necessidade diária.

A rotulagem ainda contém uma distorção à qual normalmente não prestamos atenção: o percentual de valores diários recomendados (% VDR) é baseado em uma dieta de 2000 calorias, que é a recomendação para um adulto! Logo, aquele percentual que você vê em todos os rótulos, inclusive de produtos infantis, não é a recomendação para crianças! Essa é uma brecha na legislação de rotulagem no Brasil, então as empresas encontram-se perfeitamente dentro da lei quando declaram o %VDR. A recomendação para crianças é variável, de acordo com o sexo e a idade.

Fonte: http://www.sustagenkids.com.br/?gclid=CJirgM3U6LMCFQeynQod4xcAnQ#/conheca-sustagen-kids/informacoes-nutricionais

MILC – Como ensinar a criança a comer bem, para que não precise deste tipo de suplemento?

COC – Essa é a pergunta que todo responsável por crianças se faz, não é mesmo? Como competir com a mídia, com o mau exemplo do coleguinha da escola? Não depende apenas dos pais. Mas sem dúvidas o exemplo que está em casa está sendo minuciosamente observado pela criança. Se você quer que ela coma brócolis, coma você também! Alguns pais enchem o prato dos filhos de legumes e verduras, enquanto estão comendo empanados e batata frita.

Muitas vezes, apesar de todas as tentativas, de você comer tudo o que é recomendado dando o exemplo para seu filho, não adianta, nada convence o pequeno a comer também. Falo por experiência própria, pois meu filho de 8 anos recusa legumes (especialmente os verdes), apesar de eu e meu marido comermos diariamente. Daí é a hora de partir para o plano B: oferecer as hortaliças e frutas através de outras preparações. A recomendação é sempre pela forma in natura, mas podemos recorrer aos purês, mingaus, suflês, pudins, picolés, bolos e um arsenal sem fim que temos disponível. Mesmo adicionando açúcar e gorduras, sem dúvida será em uma quantidade infinitamente menor do que a encontrada em um produto industrializado.

sustagen

MILC – Qual a quantidade de frutas e legumes (e carnes e laticínios) que uma criança a partir de 4 anos (idade para o qual o produto é indicado, embora muitos pais deem antes aos seus filhos) deveria comer diariamente para obter as vitaminas necessárias?

COC – Nesta fase a criança já deve estar totalmente adaptada aos hábitos da família, salvo nos casos em que as crianças tenham alguma doença crônica, como o diabetes ou alguma intolerância alimentar. As recomendações são individuais, pois levam em conta a idade, a atividade física e o consumo frequente de alimentos pela família. A avaliação nutricional a que nos referimos anteriormente é justamente para que a prescrição seja individual.

Mas podemos adiantar que uma estratégia para garantir o consumo de todas as vitaminas e minerais é montar refeições bem coloridas. Isso garante que estes nutrientes estejam presentes sempre na nossa dieta. A dica serve para crianças e adultos.

MILC – A sra. indicaria o uso de suplementos alimentares? Em que casos?

COC – A Resolução nº 390/2006 do Conselho Federal de Nutricionistas diz que qualquer suplementação alimentar só deve ser prescrita após “avaliação nutricional sistematizada, envolvendo critérios objetivos e subjetivos”. Ela também não pode ser feita de forma isolada, devendo ser considerada a correção do padrão alimentar. Após todas essas considerações, se for verificada a real necessidade da prescrição de suplementos, ainda é necessário estabelecer por quanto tempo o mesmo será necessário, e a revisão constante do estado nutricional e do plano alimentar do paciente.

Resumindo, os suplementos alimentares só devem ser utilizados em casos onde a real necessidade seja estabelecida por um nutricionista ou um médico, não apenas para crianças, mas em qualquer faixa etária.

*Paloma Varón é mãe de duas, jornalista, blogueira, defensora dos direitos da infância e da mulher, entre outras tantas coisas que a definem. Baiana, idealista, curiosa, agitada, expatriada na Eslovênia.

Nota da editora: aqui uma receita saudável para fazer um engrossante http://bit.ly/duduengross


Tags:  olhar crítico publicidade de alimentos sugestão de pauta Sustagen Kids

Bookmark and Share




Previous Post
Sustagen Kids e a tentativa de parecer saudável. Comigo não, violão!
Next Post
A incrível ciência do vício em junk food



Mariana Sá




You might also like






More Story
Sustagen Kids e a tentativa de parecer saudável. Comigo não, violão!
Texto de Paloma Varón* No fim de 2012, recebi um release, uma “sugestão de pauta” para o meu blog pessoal – que não...