Como os influenciadores te influenciam?

Texto especial para o Milc de Mariana Sá com entrevista de Tailane Scapin*

Fiquem de olhos bem abertos quando uma mãe influenciadora (ou um pai influenciador) conta sobre uma dificuldade e apresenta um produto como solução.

Recentemente fomos marcadas em mais uma ação digital promovida pela indústria de alimentos em parceria com influenciadoras digitais maternas. A história é tão simples quanto comum: a criança come pouco ou está numa fase de alta seletividade e a mãe/o pai lança mão de um substituto industrializado para suprir a suposta carência de vitaminas e minerais que tanto traz angústia.

Nos perfis tagueados vimos a mesma cena: na imagem crianças sorridentes junto a uma lata do produto e na legenda uma história superação: “meu filho não come, mas achei a solução do seu problema em pó numa lata na prateleira do mercado que agora vem com mais vitamina e menos açúcar”.

Se tem uma coisa que tira a gente do sério é empresa que usa a vulnerabilidade das mães para vender mais e se tem uma coisa que balança mãe é cria que não come (e aqui podíamos abrir um grande debate sobre as expectativas sociais irreais sobre a quantidade e variedade de comida consumida por crianças, mas vamos deixar para depois).

Por enquanto, queremos dar este recado para nossas leitoras sobre as ações protagonizadas por perfis influenciadores: como mães e responsáveis pelas escolhas que afetam a saúde dos nossos filhos, precisamos estar muito atentas sobre qual a influência que cada perfil exerce sobre as nossas decisões.

Sempre que uma marca for citada num perfil lembre-se que:

1. A pessoa pode estar sendo remunerada para pensar e falar isso;

2. A pessoa pode estar deslumbrada com a própria capacidade de influência e troca a própria opinião por um brinde;

3. A pessoa pode estar querendo chamar a atenção do anunciante para ser remunerada ou para ganhar brindes em ações futuras;

4. Pode até ser que a pessoa esteja ali fazendo publicidade gratuita de maneira espontânea porque simplesmente adorou o produto e quer compartilhar a descoberta. É raro, mas é possível, ainda assim: olhos abertos.

Dito isso – que vale para todo e qualquer publipost – vamos voltar à questão do ‘problema alimentar’ x ‘solução empacotada’: normalmente este tipo saída em forma de produto industrializado ultraprocessado é de curto prazo e tende a causar novos problemas no longo prazo.

Esse é o caso de produtos direcionados para crianças que não comem. Ao substituir refeições por vitaminas e minerais adicionados, a família adia o final de uma fase natural da vida da criança: a fase da alta seletividade.

Algo que um dia terminaria normalmente por conta do nosso exemplo e da nossa consistência na oferta de comida de verdade – com vitaminas e minerais de verdade – pode durar a vida inteira pela substituição por produtos altamente doces que acabam substituindo as refeições.

É perfeitamente aceitável a criança comer pouco entre poucas alternativas. Não se desespere. Não se renda aos achocolatados vitaminados (ou amorangados ou abaunilhados). Não vale à pena.

O próprio fabricante alerta em letras miúdas que o produto deve ser o suplemento de refeições variadas, mas se a criança come refeições variadas não há motivo para gastar dinheiro em açúcar, maltodextrina e vitaminas adicionadas, não?.

Se seu filho NÃO tem uma condição específica ou faz um tratamento que gera inapetência grave, continue oferecendo o que ele gosta e fazendo das refeições um momento feliz: quando você menos esperar você terá de volta aquela criança que comia todos os legumes na introdução alimentar e que fez cara feia para o brócolis por anos.

Mãe e pai que tem influência sobre outros pais e mães e, portanto, sobre a saúde crianças, precisam ter responsabilidade com os publis que fazem. Quem não é responsável não merece seu like: preste atenção!

***

Como fomos marcadas nesta ação digital de uma destas marca de achocolatado/amorangado/abaunilhado vitaminado que alguns chamam de suplemento alimentar, fizemos um passeio na tag e vimos diversas mães postando sobre a nova fórmula com redução de açúcar e aumento das vitaminas.

Ficamos curiosas e demos uma navegada no site do produto em busca do rótulo, da lista de ingredientes. Pois bem: a quantidade de carboidratos desceu de 90% para 88% e UMA vitamina foi acrescentada.

Porém a marca alega na sua campanha que houve uma redução de 30% no açúcar: deve ter reduzido o açúcar e acrescentado a maltodextrina, outro tipo de carboidrato presente na lista de ingredientes que entra na conta dos 88%.

Afinal, que diferença faz retirar açúcar de uma fórmula e acrescentar outro carboidrato?

Conversamos com Tailane Scapin que é Nutricionista, Mestre em Nutrição e Doutoranda em Nutrição pela Universidade Federal de Santa Catarina e que desenvolveu sua dissertação e está desenvolvendo sua tese na temática de açúcares e alimentos industrializados.

MILC – Quando é interessante para a criança usar maltodextrina?
Tailane – Não há recomendação oficial de consumo de maltodextrina. Considerando que ela pode ser um açúcar de adição, sugere-se utilizar a recomendação de açúcares para crianças (5%-10% do valor energético diário), limitando seu consumo. Não vejo benefícios na substituição dos açúcares refinados pela maltodextrina.

MILC – O carboidrato da maltodextrina é melhor, pior ou igual ao açúcar?
Tailane – Acho que a questão que apontei anteriormente já pode responder, a maltodextrina seria praticamente igual aos açúcares, do ponto de vista metabólico. Aqui é legal refletir que a maltodextrina tem poder adoçante menor que o açúcar refinado, assim, as pessoas tenderão a consumir mais maltodextrina para alcançar o mesmo sabor de quando usam o açúcar. Dessa forma, no final das contas, você irá consumir a mesma quantidade de açúcar.

O que acontece com os produtos que utilizam o apelo de “reduzido em açúcares” ou, neste caso específico, de “redução de 30% nos açúcares” é uma estratégia das empresas frente a uma fragilidade da legislação brasileira de rotulagem de alimentos. A atual legislação brasileira de rotulagem ainda não considera a maltodextrina como um açúcar, ignorando as evidências mais atuais sobre o tema. Assim, os fabricantes acabam substituindo o açúcar de cana por maltodextrina nos alimentos industrializados e podem usar essas alegações nos rótulos, confundindo os consumidores.


MILC – No que maltodextrina se diferencia do açúcar de cana?
Tailane – Quimicamente elas se diferenciam em sua estrutura química (açúcar de cana: apenas mono e dissacarídeos/maltodextrina: parte mono e dissacarídeos e outra parte de amido). Do ponto de vista de saúde, elas possuem efeitos bem similares.


MILC – Afinal, que as mães, nossas leitoras, precisam saber antes de escolher um produto adoçado/saborizado com maltodextrina?
Tailane – As mães devem evitar oferecer alimentos ricos em açúcares, o que inclui a maltodextrina. Como não temos como saber a quantidade de açúcares ao olhar rótulos (não é obrigatório), a sugestão é que as mães sempre leiam a lista de ingredientes dos produtos. Evitar aqueles em que a maltodextrina ou outros açúcares apareçam no começo da lista de ingredientes (que é informada por ordem decrescente de quantidade utilizada no alimento).

***

Para finalizar queremos lembrar que nós – mães, pais, avós e outros cuidadores – temos responsabilidade sobre o que nossos filhos comem em nossa casa. Cada decisão nossa é influenciada por informações trazidas por profissionais de saúde, outras mães, mas também pelo marketing e pela a publicidade. Por isso, publicitários, celebridades e influenciadores precisam também ter responsabilidade ao aceitar serem personagens e porta vozes de produtos e ideias.

A indústria de alimentos, da mesma forma, tem uma grande parcela de CULPA por colocar no mercado produtos com qualidade nutricional ruim. Deveríamos poder contar o Estado (executivo, legislativo e judiciário) nesta frente de defesa do consumidor e da saúde pública, mas sabemos que não é para agora que iremos ver o governo promover a regulamentação da publicidade de alimentos, apesar de toda a pressão social exigindo políticas públicas que garantam a segurança e soberania alimentar.

***

Se ainda assim, você quer dar uma turbinada na vitamina de frutas do seu filhos, Thais Ventura apresenta uma excelente receita de engrossante natural super nutritivo. Ponha no liquidificador:

  • 1 xícara de aveia em flocos
  • ½ xícara de quinoa em flocos
  • ½ xícara de gergelim (qualquer cor)

Triture tudo, guarde num pote bem fechado e usa duas colheres para 200 ml do leite usado pela criança ou em frutas picadas ou na banana amassadas. Dá para fazer mingau de panela também. Se a criança gostar, pode acrescentar também ½ xícara de cacau em pó (100%) – essa última é dica nossa. No link tem a explicação de cada ingrediente utilizado. Se algum dos ingrediente não tiver sido liberado pelo profissional que acompanha seu filho, converse com ele antes.

(*) Mariana Sá é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É cofundadora do Milc e membro da Rebrinc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças.

Tailane Scapin é Nutricionista, Mestre em Nutrição e Doutoranda em Nutrição pela Universidade Federal de Santa Catarina. Desenvolveu sua dissertação e está desenvolvendo sua tese na temática de açúcares e alimentos industrializados. e-mail: tailane.ntr@gmail.com




Tags:  ações digitais influenciadoras maternas influenciadores digitais leitura crítica da mídia presskit publicidade de alimentos publipost recebidos suplementos alimentares

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