publicidade de alimentos / 24 de abril de 2013

Cantinas escolares na Itália

Texto de Allan Robert PJ*

Noutro dia, trocando mensagens com a amiga Silvia Düssel Schiros, comentávamos a notícia de que algumas escolas adotaram um cartão eletrônico para permitir que os pais controlassem o consumo dos filhos nas cantinas escolares. A Silvia acabou pedindo que eu falasse mais sobre a minha experiência na Itália – onde moro com minha esposa e duas filhas desde 1999 – e sobre como são as cantinas escolares por aqui. Escreveu a Silvia:

“Eu sou super a favor de uma reformulação total nas cantinas escolares, que acredito que devam assumir de vez o papel de *educadoras*!De que adianta as crianças aprenderem, na aula de ciências, como ter uma alimentação saudável se, na hora do recreio, não têm acesso a uma cantina livre de porcarias?Acho que nunca vou entender.”

Como funciona na minha região

O sistema escolar italiano se divide em scuola elementare (corresponde ao nosso antigo primário), com cinco anos de duração, onde se ingressa com seis anos de idade; scuola media (o nosso antigo ginásio), com três anos de duração; scuola media superiore (corresponde ao nosso segundo grau), com três ou cinco anos de duração, podendo ou não ser profissionalizante; e università (universidade).

Pois bem, não sei se a regra vale para toda a Itália, mas na Emilia-Romagna – região onde está localizada a cidade de Piacenza, na qual moramos – as cantinas escolares funcionam assim: nada de máquinas de self-service nas escolas de ensino fundamental I e II. A partir do ensino médio, as máquinas estão liberadas. Na escola elementar, pode-se optar por aula em período integral, das 8:00 às 16:30 h, de segunda a sexta, ou meio período, das 8:00 às 12:30 h, de segunda a sábado. A maioria opta pelo período integral, o que faz com que a criança almoce na escola. E é aí a grande diferença. Estas escolas não possuem cantinas, apenas refeitórios, e a alimentação é controlada e balanceada por nutricionistas. Lanche matinal: fruta; almoço: primeiro prato de massa, pizza ou risotto, segundo prato de carne (carne de vaca, frango ou peixe, dependendo do dia) com salada e verdura, sobremesa (doce e fruta); lanche vespertino: fruta ou doce (geralmente uma torta – crostata – de fruta). Usa-se somente produtos da estação (mais frescos, mais nutrientes e sem tanto agrotóxico), de preferência, a quilômetro zero – produzidos na região e com custos inferiores aos produtos fora de época ou de outras regiões. De quebra, a agricultura e a economia local ganham e sobrevivem.

Mensa_scolastica

Imagem daqui

O pulo do gato: as crianças são divididas em grupos fixos nas diversas mesas do refeitório. Todas as crianças devem comer de tudo, caso contrário a mesa não ganha a estrelinha semanal no mural do refeitório. As professoras almoçam com as crianças e dão muito valor à estrelinha, incentivando a boa alimentação. Todas as crianças se sentem responsáveis e poucas vezes alguém recusa alguma coisa.

Também não é permitida a introdução de bebidas industrializadas. Só água. Nas festas de aniversário comemoradas nas escolas com um bolo e suco, o bolo deve ser comprado em alguma doceria conhecida ou indicada pela escola, para evitar riscos de contaminação. Em toda a Comunidade Europeia é obrigatória a aplicação do programa de autocontrole alimentar APPCC (HACCP) nas docerias, bares, restaurantes, refeitórios etc., e a escola só pode permitir o consumo de alimentos controlados. Na escola média, durante o recreio, comem o que levarem de casa. Não existe cantina nem refeitório. Minhas meninas levavam frutas secas; eu separava 4 castanhas do Pará, quatro metades de nozes, quatro ou cinco amêndoas, um punhado de castanhas de cajú e um de avelãs, tudo dentro de um potinho plástico com tampa. Água da torneira. Até hoje preparo as frutas secas, apesar da Luiza estar na média superior e a Bianca na faculdade.

A partir da escola média, as aulas são somente no período da manhã, mas aí as crianças já aprenderam a comer de tudo. Claro que em casa a comida é diferente da escola. Serão os hábitos alimentares dos pais a guiar os filhos a partir da conclusão da escola elementar mas, até lá, os filhos terão sido acostumados a comer de tudo. O resultado é que aqui em casa come-se bem e não sobra abobrinha ou brócolis no prato de ninguém.

Pois é, Silvia! Eu também não vou entender nunca uma cantina escolar que permite o acesso a porcarias. Se a cantina está dentro da escola, faz parte da escola. Como tal, deveria participar do processo educativo. Senão, que escola é?

Imagem da web sem autoria definida.

(*) Allan Robert PJ é autor do blog Carta da Itália, colaborador do Faça a sua parte e acaba de lançar o livro Carta da Itália: hábitos, descobertas e sabores da cultura italiana.


Tags:  alimentação saudável cantinas educação alimentar escolas sustentabilidade

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Mariana Sá




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24 Comments

Apr 25, 2013

Pois é, Silvia!
Se dermos de ombros serão os nossos filhos a sofrerem as consequências. Bons exemplos não faltam, basta ter a vontade e alguma pressão dos pais.

🙂


    May 02, 2013

    Pois é, Allan, e olha o que aconteceu outro dia, quando mandei dinheiro para comprarem na cantina (o que é bem raro): a caçula comprou um salgado (e as opções já não são o que eu consideraria saudáveis) e fechou com um brigadeiro!

    Precisa ter brigadeiro na cantina, poxa vida? Precisa?


Apr 30, 2013

Na minha época eu tinha a opção de levar a lancheira pra escola, com aquele lanchinho que mamãe preparava ou comprar alguma coisa rápida (fritura e refrigerante). claro que a segunda opção minha mãe só liberava às sextas uahauaha

Kisu!


    May 02, 2013

    Nossa, na minha época, a cantina da escola vendia refrigerante naquelas garrafinhas mini. Era a bebida que acompanhava o lanche. Vendia sanduíches, pizza, salgadinhos de pacote e refrigerante! Não me lembro de ter suco.

    Loucura, né? E hoje, apesar de algumas coisas serem proibidas nas cantinas, ainda estão anos-luz do ideal. 🙁


    May 03, 2013

    Pois na escola onde estudei não tinha nada de industrializado, além do refrigerante (sempre naquelas garrafinhas mini). Todo o lanche deveria ser preparado na hora. Eu levava frutas e – vez ou outra – comia um sanduíche da cantina. Também não rinha suco, pois não daria tempo de atender todo mundo durante o recreio.

    🙂


Apr 30, 2013

Pois é, muito se fala sobre hábito alimentar saudável. Tem sido um assunto mundialmente discutido, sobretudo pq temos um número de crianças obesas muito grande. Mas pouco se faz realmente. Meu filho estudou na Itália por 3 anos (escola materna). Frequentava a escola durante meio turno e o lanche levava de casa. Apenas pediam aos pais que fossem lanches “saudáveis”, mas cansei de ver criança de 3 ou 4 anos levando salgadinhos (industrializados), biscoito recheado, etc. Foi difícil convencê-lo de que era legal levar frutinha, já que ele queria um lanche igual aos dos amiguinhos.
Já a turminha que fazia o horário integral, como vc comentou, fazia todas as refeições na escola. E pelo que soube, era uma alimentação controlada por uma nutricionista e eles praticamente comiam de tudo (cansei de ver mãe espantada que o filho em casa não comia peixe, mas na escola sim – por vezes até duvidavam da palavra das profe’s).
Ou seja, primeiro creio de que deva partir de casa mesmo o hábito de comer “de tudo”, sobretudo que esse “tudo” seja o mais saudável possível.


    May 02, 2013

    O duro é que a cultura do fácil, rápido e prático assumiu proporções tão grandes aqui no Brasil, com as empresas falando, através das propagandas, como seus produtos são bons e ligando-os, mesmo que indiretamente, a uma vida saudável e feliz, que fica difícil mudar um paradigma tão arraigado.

    Quem nunca comprou, por exemplo, suco de caixinha achando que era saudável? Ou petit suisse? Ou biscoitos “vitaminados”?

    Acho que antes do exemplo vir de casa, as empresas precisam ser responsabilizadas pela qualidade da informação que prestam à população. Ana Claudia Bessa sempre menciona o exemplo do cigarro: quando se proibiu que ligassem cigarros a uma vida cheia de glamour e esportes e, depois, baniu-se de vez a propaganda do produto, o número de fumantes foi drasticamente reduzido.

    No documentário “Muito além do peso”, eles criaram uma tarja adesiva parecida com a dos cigarros, advertindo para os males causados por produtos como refrigerantes, bolachas, salgadinhos etc. Que deveriam existir mesmo, como nos cigarros. E a propaganda também deveria ser proibida.


    May 03, 2013

    Tatiana,
    O trabalho legal é exatamente esse de fazer a criança comer de tudo, até o que não comeria em casa. Muitas vezes os pais não conseguem fazer com que o filho coma de tudo, mas na escola, com todos os outros comendo, o estímulo é maior.

    🙂


Apr 30, 2013

Faz pouco tempo que as frituras, refrigerantes e guloseimas (balas, chicletes, barras de chocolates, etc..) foram retirados das cantinas escolares. Sou a favor do fechamento de cantinas nas escolas, daí cada criança levaria de casa aquilo que a família consome. A sugestão das frutas secas é excelente!


    May 02, 2013

    Se fechassem a cantina da escola, confesso que eu não sofreria nada! 😉 Por outro lado, não me importaria que continuasse operando, contanto que tivesse de fato uma preocupação com a saúde das crianças. Se não for, deveria ser obrigatório uma nutricionista aprovar os produtos vendidos nas cantinas escolares. E, mesmo assim, ainda correríamos o risco de ter itens nem tão saudáveis assim – já vi nutricionista indicando achocolatado de caixinha e outras besteiras como opção saudável. Mas pelo menos já ia melhorar muito.


    May 04, 2013

    Luma, Se a criança estuda durante meio período, acho que a cantina é desnecessária. Para quem faz período integral é essencial, como essencial deve ser o acompanhamento por um nutricionista e por quem administra a escola (prefeitura, associação de pais, etc.)

    🙂


May 02, 2013

Meu filho come na cantina da escola.

Tem um cardápio semanal e a comida é gostosa.

Tem pratos vegetarianos paras as criancas que nao comem carne, frutas como sobremesa.

Já antes das aulas comecarem uma boa parte das criancas vao nas máquinas automáticas, entram com os seus cartoes e escolhem o número da comida que querem para aquele dia. Acho assim o sistema bem legal.

Grande abraco


    May 02, 2013

    Mais uma vez, exemplo bom, mas não do Brasil…

    Georgia, você já escreveu algum post sobre o assunto que possamos indicar?


    May 04, 2013

    Georgia, Aqui na minha região não tem opção, exceto em casos de alergia. Sexta-feira tem peixe pra todo mundo; na quinta, pizza como primeiro prato. Os outros pratos variam muito (dentro da culinária italiana, com pouca exceções) e muita verdura e fruta da estação.

    🙂


May 02, 2013

Eu também não entendo esse lance das cantinas. Poucas escolas têm esse controle de fornecer lanches saudáveis por aqui, mas não existe uma fiscalização, coisa que deveria ser feito, mas….Quantas mudanças deveriam acontecer nesse Brasil afora. Pena que muitos problemas passam despercebidos ou ignorados pelos responsáveis.
Percebo, também, que muitos pais não se preocupam e não reclamam com a direção da escola. Acho que se houvesse um número grande de reivindicações, dos pais, a escola poderia pensar diferente e ter outra conduta para melhorar o que é servido nas cantinas.
Acho que é mais cômodo aceitar…Dizer sim…Do que ter dores de cabeça para almejar algo, não acha?
Quero mudar para Europa (rs).
Bons fluidos


    May 02, 2013

    Teresinha, acho que o lado mais fraco da corda são os pais, sabe? É tanta informação equivocada bombardeada na cabeça das pessoas que tem muita gente que acha de verdade, por exemplo, que suco de caixinha faz bem pra saúde ou salgadinho de pacote é saudável porque “tem milho” ou “é assado”…

    Tá mais do que na hora do governo, das empresas e das escolas assumirem seu papel nesse cenário também…


    May 04, 2013

    Teresinha, tenho uma amiga de quem adotei uma frase: “produto industrializado não é alimento”. O Chef inglês Jamie Oliver tentou modificar o cardápio das cantinas escolares nos Estados Unidos. Teve que combater não só contra as cozinheiras que tinham a vida fácil de fritar porcarias e esquentar comida congelada (entre outras coisas). Toda a indústria de porcarias, frituras com um esquema de autorizações dos responsáveis pela alimentação escolar de dar arrepio. Não decidi se fiquei com mais pena dos americanos ou do Jamie.Só os alunos aceitaram sem problemas.

    🙂


May 02, 2013

Como disse no blog do Allan, como não tenho filhos, não sabia como era esse sistema!
Fiz voluntariado em um asilo e eles tinham um cardápio maravilhoso “pregado” na parede, mas no café-da-manhã as crianças comiam bolacha com suco e no almoço comiam macarrão com molho de tomate, ou seja, nada a ver com o cardápio maravilhoso apresentado aos pais 🙁
Pequeno detalhe, quem comia todo almoço podia comer uma balinha ou chocolatinho!
Léia


    May 04, 2013

    Léia, vê se arruma logo uns dois herdeiros aí! 🙂

    O bom de ter filhos é que eles contam TUDO em casa. Até que a abobrinha não estava crocante como deveria ser.

    🙂


May 04, 2013

Allan,

Aqui na Nova Zelândia, geralmente, não tem cantina nas escolas.
Os pais mandam a alimentação normal da criança em casa.
Eu estava na casa de um casal amigo, e o pai estava arrumando o lanche das crianças. Ele só colocou coisas saudáveis, e pasme, até cenoura e pepinos crus. Risos. E elas comem tudo.
Isso não é muito normal na nossa cultura brasileira.
Gostei muito de saber como isso funciona na Itália.
Abraços


    May 09, 2013

    Lucinha,
    Precisamos lutar para que o Brasil tome o rumo certo. Exemplos positivos devem ser copiados e a família precisa ser instruída à boa alimentação.

    Bom saber que as crianças neozelandesas têm uma alimentação saudável.

    🙂


May 18, 2013

Que delicia, Allan. Nas escolas das minhas filhas é um festival de porcarias. e mesmo na Nova Zelandia, onde a gente preparava o lanche, uma vez me surpreendi com a minha filha que seeempre pedia para levar rasberries.
Aí um dia eu comprei pra ela comer em casa e ela: mas eu não gosto!
Entao pq vc pede pra levar todos os dias?
Pq aí eu posos trocar por QUALQUER coisa na escola – todo mundo adora…


    May 18, 2013

    Inaie,
    Confesso também não ser fã de framboesa. 🙂
    Minha filha caçula leva frutas secas, mas também adora um chocolate. Felizmente ela aprendeu a gostar de verduras, pois no Brasil era uma luta.

    🙂


Apr 19, 2015

Olá! Adorei a idéia de não ter cantina na escola, só refeitório, ótimo! Mas gostaria muito de saber quais outras cidades, além de Piacenza que possuem escolas em período integral das 8h às 16:30h. Irei em agosto para Itália com meus 3 filhos, 13, 11 e 4 anos e ainda estou perdida nesse quesito! Agradeço imensamente se puderem me ajudar! Obrigada



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