*Texto de Rafael Venâncio da Silva
Convidada para palestrar no circuito Biscoito Fino, em 2011, promovido pelo Colégio Oswald de Andrade, Maria Rita Kehl, escritora e psicanalista, de maneira objetiva e esclarecedora, discorre sobre a temática da família e educação na sociedade de consumo e sobre o que tem nos interessado bastante: os efeitos das propagandas no processo educacional.
A autora dá início a sua fala descaracterizando o paradigma da famosa “família margarina” ao afirmar que não existe nada menos padronizado do que ela. A fim de ilustrar essa afirmação, apresenta o conceito de família e qual poderia ser classificada como “desestruturada”, bem como delineia um panorama dos papéis de mãe e de pai, ressaltando a carga de culpa que algumas mães contemporâneas carregam porque trabalham e têm pouco tempo com os filhos, quando se comparam com a geração passada de mães sempre presentes (pelo menos, do ponto de vista físico), e dos pais que “tinham o direito” de decidir o destino dos filhos, porque eram os provedores e a autoridade da casa, ou seja, papéis que têm sofrido modificações profundas, as quais geraram transformações na sociedade, atingindo a família, que passou de pré-moderna (extensa, organizada em torno do patriarca), a nuclear (pai, mãe, filhos) e por fim ao tipo de família contemporânea que Kehl metaforiza como família tentacular, na qual há a mulher do pai, o marido da mãe, meio-irmãos etc.
Nesse contexto, “quem realmente se ocupa das crianças?”, questiona a autora, visto que, na sociedade do consumo, o direito à felicidade dos adultos está, praticamente, no mesmo nível de seus deveres como pais e mães, fato que leva alguns deles a deixarem para segundo plano a educação dos filhos. Basta haver alguém que assuma esse papel, afirma, pois são os adultos que têm que barrar os excessos, que têm que dizer não. E, como destaca, em virtude de uma ditatura recente na história do Brasil, alguns pais e mães estão perdidos e com medo de serem autoritários, pois fazem confusão com o conceito de ter autoridade, por isso recorrem a especialistas para resolverem coisas que, com um pouco de discernimento e bom senso, teriam solução. Então como educar os filhos em uma sociedade de adultos infantilizados? Ser pai ou mãe (ser adulto), enfatiza, é saber correr riscos.
Ao final de seu discurso, Maria Rita Kehl dá especial destaque à questão da publicidade e aponta os motivos pelos quais devemos nos preocupar: a publicidade é onipresente, ou seja, está em todo lugar (Benjamin R. Barber, em sua obra “Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos”, salienta que é, também, ubíqua, isto é, se faz perceber em todos os lugares); apresenta discurso único (diz a mesma coisa o tempo todo, ou seja, não é dialética); diz que temos direito a tudo, na hora que quisermos; e o que ela mais vende hoje é o prazer (de ter o objeto) e o prazer de excluir o outro (aquele que não tem), contribuindo, como podemos imaginar, para a exacerbação do preconceito e discriminação. Portanto, se quisermos criar uma sociedade na qual as pessoas tenham “um desejo de futuro que não seja apenas um desejo de consumo”, como educadores (que todos somos), ter acesso à informação, como trazida por Maria Rita Kehl, é imprescindível, pois poderá nos ajudar a ver os riscos que assumiremos a responsabilidade de correr a fim de tentar deixar um legado diferente para a geração que nos sucederá.
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*Rafael, paulistano de 31 anos, funcionário público, sem filhos e estudante de Psicologia, interessou-se em estudar sobre o consumismo na graduação por indignar-se com a exploração de crianças pela publicidade e com seus reflexos nos comportamentos delas e dos adultos, os quais começou a observar em si mesmo e nos espaços públicos. Por isso, sempre que pode, compartilha o que está aprendendo com o objetivo de ampliar e mobilizar a rede de pessoas insatisfeitas com a conjuntura atual, pensando que, dessa maneira, pode contribuir, ainda que de forma singela, para criar uma possibilidade de transformação da realidade.
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