Texto de Desirée Ruas*
Em tramitação há mais de oito anos, o Projeto de Lei do Senado, PLS, nº 406 de 2005 pode ser votado ainda em 2014. O PLS em questão tem como objetivo “disciplinar a comercialização de alimentos nas escolas de educação básica e a elaboração de cardápios do programa de alimentação escolar, e promover ações para a alimentação e nutrição adequadas de crianças e adolescentes”. Dentre as medidas está a proibição da venda de alimentos não saudáveis nas escolas de todo o país. Uma lei federal é fundamental para resolver o impasse entre os que defendem o livre comércio nas instituições de ensino e aqueles que acreditam que educação alimentar precisa também acontecer na cantina da escola.
O que nossos filhos devem comer em casa e na escola? A pergunta, aparentemente simples, é hoje um dilema. A primeira e mais consciente resposta seria: uma alimentação saudável e mais natural possível, que garanta os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento, com o mínimo de açúcar, sódio e gorduras. Sendo assim, imaginamos que todas as ações que buscassem aproximar as crianças e jovens desse tipo de alimentação seriam recebidas com festa. Mas muitos interesses vêm à tona quando o assunto é repensar os hábitos alimentares das famílias e reduzir o acesso a alimentos não saudáveis.
Leis existentes
A primeira lei sobre o assunto entrou em vigor em 2001, em Santa Catarina e, no Paraná, a regulamentação específica passou a valer em 2005. Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro também ganharam leis semelhantes que objetivam melhorar a qualidade do lanche disponibilizado nas escolas. (Legislação sobre o tema pelo país).
Em Minas Gerais, a Lei 18.372/2009 proíbe a venda e distribuição gratuita de alimentos muito calóricos e pobres em nutrientes como frituras, doces, salgadinhos, picolés cremosos e refrigerantes. Mas apenas as escolas públicas estaduais mineiras contam com a Resolução 1.511*, da Secretaria Estadual de Educação, que regulamentou em 2010 os produtos cuja comercialização é proibida. Apesar da existência da lei que é destinada a escolas públicas e privadas de Minas Gerais, as escolas municipais, federais e privadas do estado ainda não têm regulamentação específica. Enquanto aguardam a delimitação de quais alimentos se encaixam na proibição da Lei 18.372, escolas privadas, principalmente, acabam priorizando os interesses das empresas terceirizadas que exploram as cantinas e lucram com a venda de alimentos não saudáveis. Diretores não tomam conhecimento do que é vendido nas cantinas ou afirmam que o espaço é terceirizado em uma tentativa de se eximir da responsabilidade pelo desrespeito à lei.
Mesmo sem a regulamentação para as escolas privadas e municipais, a lei mineira 18.372/2009 é bem clara quando veda “o fornecimento e a comercialização de produtos e preparações com altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, ou com poucos nutrientes”. As demais escolas mineiras poderiam seguir a resolução 1.511, que faz o detalhamento dos itens proibidos para as escolas públicas estaduais, ou juntamente com alunos, professores, funcionários das cantinas e nutricionistas elaborarem cardápios mais nutritivos e dentro da lei para oferecerem aos alunos. Mas parece ser mais prático e lucrativo ficar esperando a regulamentação da lei que entrou em vigor em 2010. Apesar do problema crescente da obesidade infantil e juvenil e da necessidade da promoção da educação alimentar e nutricional, as medidas que disciplinam a venda de alimentos nas escolas ainda encontram muitos obstáculos.
Por outro lado, muitos pais e mães permitem que as crianças consumam frequentemente esse tipo de produto e, inclusive, enviam, de casa, os itens proibidos nas cantinas escolares. Os bons hábitos alimentares começam em casa, ainda nos primeiros anos de vida das crianças, e o aprendizado continua ao longo da vida, principalmente no ambiente escolar. Famílias e escolas devem atuar conjuntamente para reverter hábitos alimentares inadequados e, para que isso aconteça, serão necessários muito diálogo e reflexão. Acostumamos nossas crianças com alimentos práticos e de longa duração, encontrados facilmente nas prateleiras dos supermercados, mas que comprometem a saúde. Pais e mães devem participar do ambiente escolar para ajudar na busca de alternativas mais saudáveis para a alimentação dos filhos, seja a merenda comprada ou levada de casa. Sabemos como as crianças aceitam com facilidade guloseimas e como, muitas vezes, é difícil convencê-las a terem uma alimentação mais saudável. Mas qual criança vai a uma cantina comprar uma fruta se há um freezer com sorvetes bem ali em frente? E o que dizer de cantinas escolares que fazem promoções como “o quinto refrigerante da semana é grátis”? Como deixar que as próprias crianças escolham o que vão comer em um local com tantas tentações açucaradas?
O bombardeio publicitário que chega até as crianças por meio da televisão, da internet e de outros tipos de mídia também tem um peso decisivo na questão da escolha por alimentos não saudáveis. Ações de marketing dentro das instituições de ensino, baleiros nas portas das escolas e a pressão das entidades que defendem os interesses dos comerciantes contribuem para o desrespeito à lei da cantina saudável e a manutenção de uma alimentação prejudicial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
O argumento das entidades que defendem o comércio das guloseimas nas cantinas escolares é que, se o alimento pode ser produzido, ele deve também ter livre permissão para a venda, qualquer que seja o local. Mas quais seriam os critérios para a venda de tais produtos alimentícios em um espaço onde as crianças fazem suas escolhas sem a presença dos responsáveis? Os interesses comerciais de alguns grupos podem se sobrepor à proteção da infância?
Também alegam que a competência para legislar sobre assuntos de produção e consumo seria exclusiva da União. O mesmo argumento foi usado pelo prefeito de Belo Horizonte para justificar o veto a um projeto de lei aprovado na Câmara dos Vereadores em julho de 2011 que proibia a venda de alimentos com brindes.
Comprometimento
Na capital mineira, encontramos escolas engajadas na sensibilização das crianças e das famílias para a importância de uma alimentação saudável, dentro e fora das salas de aula, com projetos envolvendo nutricionistas e educadores para o consumo consciente. Escolas que se preocupam inclusive em orientar os pais quanto ao lanche que é enviado de casa com sugestões para um cardápio semanal, além de hortas e oficinas onde as crianças podem experimentar novos sabores. Mas há também instituições de ensino, públicas e privadas, que ainda desrespeitam a lei em vigor e não cumprem seu papel de educar de forma ampla e coerente. Como ensinar alimentação saudável em sala e vender alimentos não saudáveis e proibidos por lei na cantina? Os pais e os próprios alunos devem ficar atentos a incoerências como essa.
Mesmo que não haja uma lei em sua cidade e enquanto não tivermos uma legislação federal, a mobilização das famílias em prol da saúde das crianças pode acontecer de várias formas. Contribua para a mudança da alimentação de seu filho em casa e na escola. A lei é um passo importante, mas sozinha não conseguirá ampliar a educação nutricional e a redução da obesidade entre crianças e jovens. É preciso um esforço coletivo das famílias, escolas, profissionais de saúde, organizações, governos, todos unidos contra a sedução do marketing feito pela indústria de produtos alimentícios e pela pressão dos grupos que se beneficiam da venda das guloseimas e salgadinhos. A reeducação alimentar das famílias com a mudança do estilo atual de alimentação depende também do trabalho dentro das escolas.
Se você mora em um local onde há legislação sobre a venda de alimentos não saudáveis nas escolas, informe-se e acompanhe sua aplicação. Se a escola de seu filho vende alimentos ricos em açúcar, sódio e gorduras artificiais, converse com a direção da escola, incentive a adoção de uma cantina saudável e lembre-se que a Vigilância Sanitária é o órgão responsável pela fiscalização.
Veja abaixo uma lista de produtos alimentícios com venda e distribuição proibida nas escolas públicas estaduais mineiras de acordo com a Resolução nº 1.511 de 26/02/2010 – Secretaria Estadual de Educação. (Muitas escolas privadas tomam como referência a Resolução 1.511 pela inexistência de uma regulamentação específica para elas em Minas Gerais.)
*Trecho da Resolução nº 1.511 de 26/02/2010 – Secretaria Estadual de Educação/MG:
Art. 2º Fica vedada, nos espaços das escolas estaduais, a comercialização de lanches e
bebidas contendo os produtos e/ou preparações, industrializados ou não, que contenham altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre, sal, teor alcoólico e baixo teor nutricional, tais como:
a) frituras: batatas, biscoitos, bolinhos, coxinhas, enroladinhos recheados, espetinhos, pastéis, quibes e frituras em geral;
b) salgados e doces com massa folhada;
c) biscoitos: recheados, com cobertura, tipo wafer, biscoitos salgados e outros com alto teor de gorduras e calorias;
d) doces: balas, pastilhas, pirulitos, chocolates e bombons, suspiros, maria-mole, sorvetes de massa, picolés de massa com cobertura, chup-chup, algodão doce, gomas de mascar e guloseimas em geral;
e) molhos calóricos: catchup, maionese, mostarda, molhos à base de maionese e outros com alto teor de gorduras e calorias;
f) bebidas artificiais: refrigerante comum, light e zero, refrescos artificiais, bebidas alcoólicas, energéticos e outras bebidas similares;
g) salgadinhos e pipocas industrializadas;
h) alimentos apresuntados e embutidos;
i) sanduíches e pizzas que tragam em sua composição ingredientes como bacon, batata palha, maionese e molhos gordurosos e calóricos, mortadelas, ovos fritos, queijos gordurosos e outros ingredientes e embutidos ricos em gorduras e calorias.
Parágrafo único. As restrições mencionadas também se aplicam aos produtos obtidos por doações.
fonte da imagem: http://bit.ly/1tbGn5G
*Desirée Ruas é mãe de duas, jornalista, especialista em Educação Ambiental, coordenadora do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte. Atua em causas como defesa da infância e combate ao consumismo infantil, leitura crítica da mídia, direitos e deveres do consumidor e ações socioambientais por uma vida mais saudável. www.
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