brinquedos e marketing / campanhas / 22 de novembro de 2013

O incrível dia em que afoguei nos meus brinquedos

Texto de Claudia Souza*

Você também deve ter uma tia que, quando vem visitar a família, aperta as suas bochechas e te faz sufocar em intermináveis abraços de urso. E ainda por cima te traz presentes pra lá de inconvenientes. Foi dela que eu estava fugindo quando aconteceu.

Eram exatos dois dias depois do Natal. A montanha de brinquedos que eu tinha no meu quarto nunca tinha sido tão alta (você também deve ter uma montanha de brinquedos no seu quarto).

Ouvi a voz da tia e subi as escadas correndo. Bati a porta do quarto. A voz se aproximava. Ouvi também minha mãe que dizia:

– Ele está aqui assim, não vê a hora de encontrá-la!

Passos na escada. Olhei pra um lado, pro outro. Pulei bem dentro da montanha de brinquedos e fiquei imóvel, esperando o perigo passar.

Elas abriram a porta, minha mãe me chamou.

– Ué – ela disse. Será que esse menino saiu sem me avisar?

E lá se foram as duas tomar seu habitual chazinho no jardim. Ufa!

Tinha escapado – pensei. Agora era só sair devagarinho e… ops. Pulei mais alto. Não conseguia sair. E acabei ficando cada vez mais no fundo.

Olhei em torno. Ainda na caixa, um brinquedo que tinha sido meu sonho dourado por muito tempo. E outro que na TV parecia o cenário de um filme, mas que quando você ganha não parece tão maravilhoso assim.

Nunca tinha prestado atenção em quantas bolas diferentes eu tinha! Pra me distrair e não ficar ansioso comecei a contá-las.

Separadamente meus brinquedos podiam até ser interessantes, mas assim, em forma de montanha, eram assustadores.

Não sei quanto tempo já tinha passado, eu ali dentro da montanha dos meus brinquedos. Mas começava a me sufocar. Não podia gritar, com o risco de atrair a atenção das duas no jardim. Precisava pensar em um modo de sair dali.

Tentei pegar alguns brinquedos mais resistentes que pudessem servir-me de apoio. Todos juntinhos, coloco o pé aqui, ali e… desastre!

Neste movimento os brinquedos que estavam mais no alto caíram por cima de mim! E fiquei coberto por inteiro. Afogado. Eu tinha afogado nos meus brinquedos.

E quanto mais me movia, mais afundava naquilo que parecia uma areia movediça. Brinquedos que eu nem me lembrava que tinha parece que se organizavam numa vingança macabra contra mim. Era um pesadelo!

Até que enchi os pulmões e gritei com todas as minhas forças – nesse ponto já nem me importava com os apertões e os abraços da tia.

Fui salvo.

Confesso que daquele dia em diante passei a olhar meus brinquedos com certa desconfiança. Dei um jeito de acabar com a montanha de modo a não correr mais o risco de me afogar nela. Meu quarto ficou bem mais habitável.

Meu pai gostou da mudança e uma noite, antes de dormir, enquanto brincávamos deitados no tapete, me contou que em toda a sua infância tinha tido só uma bola e um carrinho de rolimã que ele mesmo construiu. Que na maior parte do tempo brincava sem brinquedos.

Dá pra imaginar?

Imagem da obra Small Moons de Sutton Beres Culler 

*Claudia é psicóloga, escritora e pesquisadora da Infância. Mineira, mora em Milão há sete anos, onde trabalha com projetos de intervenção cultural direcionados a crianças, entre eles o grupo ProgettoQualeGioco e o Istituto Callis Italia. Publica livros infantis em português, italiano e inglês e artigos em jornais e revistas no Brasil e na Itália.

 

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Tags:  brinquedos consumismo infantil Natal natal sem consumismo publicidade de brinquedos

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Mariana Sá




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