Texto de Desirée Ruas especial para o Milc*
A publicação da Resolução Conanda 163 em abril de 2014 intensificou o debate sobre a influência da publicidade sobre crianças e adolescentes. Como pais e mães que acompanham o tema, sabemos como é grande o poder de convencimento da publicidade sobre todos nós e, principalmente, sobre os mais novos, menos experientes e mais vulneráveis a tais mensagens. Quem sempre anunciou para o público infantil enfatiza a liberdade de expressão e seu direito de anunciar seu produto. Quem está do outro lado questiona a manutenção dos anúncios que falam diretamente com as crianças e a exploração comercial da infância, fazendo uso da inexperiência e da falta de julgamento de meninos e meninas.
Com o tema nos meios de comunicação, a aparente normalidade do bombardeio publicitário sobre as crianças começa a se modificar e o incômodo de pais e mães cresce cada vez mais. Mas somos minoria e o poder econômico com toda a sua engrenagem que o consumismo faz girar ainda prevalece. Mas o mesmo consumismo que gera empregos e contribui para a economia nos coloca em uma situação preocupante: a finitude dos recursos do planeta. Cada vez exploramos mais matéria-prima, gastamos mais energia e água e devolvemos poluição de diversos tipos. O consumo, da forma como vem sendo estimulado, é um problema ambiental grave. E um problema que atinge a geração atual e também as gerações futuras. Mas é sobretudo uma questão de valores. Tanto se fala em sustentabilidade e pouco se faz para estimular os valores que vão permitir que uma nova relação entre as pessoas e o planeta aconteça. O consumismo infantil, da mesma forma, está na contramão da sustentabilidade. Consumismo, valores e meio ambiente são temas entrelaçados e que devem fazer parte da pauta das políticas públicas também para a proteção da infância.
Toda mensagem comercial que chega até nossos filhos nos inquieta, mas mais preocupante ainda é a livre veiculação da publicidade do álcool nos diversos tipos de mídia, em eventos, sobretudo em tempos de Copa do Mundo, e em pontos de venda, atingindo em cheio crianças e adolescentes. Tal bombardeio não incita apenas um incômodo e sim uma indignação crescente diante da prática ilegal já que o produto se destina apenas a maiores de 18 anos. Incentivar este debate contribui para mobilizar pais e mães, profissionais de saúde, educadores, políticos, artistas e todos que se preocupam verdadeiramente com a infância, com a saúde física e psicológica de meninos e meninas e com a formação dos valores. E você se incomoda com a publicidade de cerveja que chega constantemente até seus filhos? E o que pensa da associação do álcool com esporte? Como os pais conversam com os filhos sobre o consumo de álcool? Muitas são as questões sobre o complexo universo do uso de drogas lícitas e ilícitas nos dias de hoje.
Para ampliar nosso debate, vale a pena conhecer a publicação de 2009 “Publicidade de bebidas alcoólicas e os jovens”, realizada pela pesquisadora Ilana Pinsky e colaboradores, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool. A pesquisa reúne estudos sobre o tema e reflete sobre o impacto da publicidade sobre a população jovem, incluindo as crianças.
Segundo a publicação, para a indústria do álcool, a publicidade de cerveja serviria apenas para buscar mais clientes para uma determinada marca e não interferiria no volume total de bebida consumida. Ao ver o comercial de determinada marca, uma pessoa deixaria de comprar a marca Y e passaria a comprar a marca X que teria melhor apelo publicitário. Segundo a publicação “Publicidade de bebidas alcoólicas e os jovens”, a realidade não é bem assim e quanto maior a exposição aos anúncios de bebida, maior é o consumo de álcool no geral, atingindo também crianças e adolescentes com a imagem positiva do produto.
E como as crianças encaram os anúncios? “A publicidade do álcool, principalmente a que é apreciada pelas crianças, em especial a que contém humor, relaciona-se com suas atitudes e expectativas positivas quanto às bebidas alcoólicas. Isso significa que a publicidade é um fator de estruturação de atitudes das crianças em relação às bebidas alcoólicas – atitudes e crenças que não são mudadas do dia para a noite. Esse processo se dá com um acúmulo de mensagens atraentes e exclusivamente positivas e bem-humoradas em relação às bebidas alcoólicas.” 1
E quanto ao volume de estímulos ao consumo, “(…) do ponto de vista da saúde pública, é fundamental que a sociedade possa, sim, exercer influência não somente no conteúdo da publicidade a que as crianças e adolescentes são expostos, mas também e principalmente na quantidade de exposição. Pelo simples motivo de que quanto mais expostas, maior o consumo do álcool.” 2
Para finalizar, uma reflexão importante da publicação “Publicidade de bebidas alcoólicas e os jovens”: se a sociedade é a principal prejudicada pelos efeitos do álcool e pelo bombardeio publicitário sobre crianças e adultos nada mais justo que a própria sociedade tenha voz neste debate. Afinal, “(…) o que se busca ao regular a publicidade não é impedir seu exercício legítimo, mas definir parâmetros que estejam de acordo com os valores da sociedade. Quem deve definir os limites da regulamentação é, portanto, a própria sociedade, de maneira participativa e democrática, e não os publicitários e anunciantes isoladamente.” 3
A Copa do Mundo está terminando mas o debate sobre a publicidade de cerveja tem que continuar…
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