Texto especial para o Milc de Vanessa Anacleto*
Este post também pode intitular-se Do uso dos sufixos na língua portuguesa
Circula na web artigo assinado por um defensor da Campanha Não esqueça da minha Caloi Publicidade Infantil no Brasil dando conta de que Consumo é bom e desejos fazem parte da vida. Não sabemos que parte (da vida ou) de nosso ponto de vista o autor do artigo-pérola não entendeu. Mas já que a questão é esta, vamos debater:
“Consumo é bom e desejos fazem parte da vida.”
Não sendo míope com óculos rachados, qualquer visitante de nossas páginas poderá comprovar que nosso movimento propõe uma infância livre de consumismo. O sufixo ISMO, este danadinho, parece ter sido pouco ou nada compreendido. Tenho certeza que quem nos acompanha sabe do que estamos falando, mas por amor à argumentação (ainda que muito dela seja completamente furada) , vejamos:
“Sufixos são elementos (isoladamente insignificativos) que, acrescentados a um radical, formam nova palavra.¹”
Uma nova palavra.
As gramáticas de língua portuguesa afirmam que o sufixo ismo tem origem grega e sua utilização forma palavras de ação, estado, qualidade, religião ou doutrina.
Uma nova palavra
E de consumo, “entendido como as aquisições racionais, controladas e seletivas baseadas em fatores sociais e ambientais e no respeito por gerações futuras”²,
Passamos a
Consumismo , entendido como “uma compulsão para consumir”³
O sufixo ismo pode formar nomes de religião , sistema político , doutrina filosófica , modo de vida.
Consumo é bom… Nada contra o consumo, nosso ponto é o exagero. O exagero mora no sufixo ISMO, sabem? Ele existe e não se trata de ficção ou apenas uma questão de morfologia da Língua Portuguesa. O exagero do consumo nos deixou a todos, incluindo o planeta em uma situação de xeque. Precisamos, alguém nos convenceu disso com relativa facilidade, consumir para sermos felizes. Os níveis de consumo estão atrelados ao crescimento econômico e, contraditoriamente, os níveis de consumo nos envenenam dada a insustentabilidade do crescimento que tentamos alcançar. Não somos nós quem dizemos isso, mas o livro Os limites do Crescimento* publicado em 1972, um dos primeiros estudos sobre a questão ambiental. Desde aquela época o mundo está ciente de que não temos água potável suficiente, o planeta aquece, os pólos derretem, as florestas sucumbem. Mas nós não ligamos pois queremos consumir. Consumo é bom.
Enquanto isso a indústria estuda um jeito de satisfazer nossos desejos. E se não desejarmos ela dará um jeito de criar nossos desejos. Os desejos fazem parte da vida. Os Fast Food prosperam e vendem comida com gosto de borracha e sal, muito sal. Como é difícil empurrar aquela porcaria, oferecem brinquedos para venderem o lanche sem gosto. Muitos brinquedos de plástico feitos na China. Não sabemos as condições de vida dos funcionários que trabalham nestas linhas de produção e a nós também não interessa. Precisamos sair do cinema do shopping e ir até a praça de alimentação comprar os lanches borrachudos sem gosto mesmo sem desejar realmente, porque as crianças querem os brindes com a cara do personagem do filme. Elas querem, o Fast Food disse a elas para quererem, elas precisam ter liberdade para escolher o que o Fast Food diz para elas desejarem através de uma propaganda em que uma caixa de papel pula, ri e dança. Puxa vida, que gente chata que não deixa criança ser criança e repetir o que o Fast Food quer que ela repita. Que saudades da nossa infância. Era tão mais fácil para o palhaço nos fazer de palhaços. Assim diz o autor amigo da publicidade infantil (ou dos publicitários ou da indústria ou do consumISMO puro e simples, sabe-se lá): “Desejos fazem parte da vida”. Que vidinha mais ou menos.
Legendas:
¹ – GIANASTÁCIO, Vanderlei – A presença do dufixo -ismo nas gramáticas de lingua portuguesa. http://www.usp.br/gmhp/publ/GiaD.pdf
² e ³ – CORTEZ, Ana Tereza Carcerez – Consumo e Desperdício, As duas faces das desigualdades http://books.scielo.org/id/n9brm/pdf/ortigoza-9788579830075-03.pdf
* Imagem daqui. E clicando dá pra aprender um pouco mais sobre o sufixo “-ismo”
Argumentos furados a favor da publicidade infantil é uma série. Leia também:
Argumentos furados a favor da publicidade infantil parte 1
Argumentos furados a favor da publicidade infantil parte 2
* Vanessa Anacleto é autora do livro Culpa de Mãe, escreve no Mãe é tudo igual e é co-fundadora do Movimento Infância Livre de ConsumISMO
Tags: consumismo consumo. consumo consciente marketing infantil publicidade publicidade infantil