Texto especial para o Milc de Mariana Sá*
Há quem diga que a propaganda e o marketing não podem ser controlados pelo estado, ou pela sociedade, em nome da livre concorrência. Dizem que a publicidade é ferramenta fundamental para que as empresas possam competir por mentes e bolsos. Dizem ainda que autorregulamentação publicitária feita pelo Conar funciona muito bem. Como publicitária, tenho que concordar: funciona. Funciona bem. Mas não para nós simples mortais, consumidores, cidadãos. A autorregulamentação funciona apenas para a publicidade e para as corporações.
Faz muito tempo que a publicidade deixou de servir para apresentar ao consumidor marcas, produtos e atributos. A semelhança dos atributos tangíveis quanto à composição e qualidade forçou os departamentos de marketing a buscarem diferenciar as marcas por atributos totalmente intangíveis e, podemos dizer, irreais. A estratégia de vender *felicidade* ao invés de vender o sabor ou supostas propriedades nutricionais se justifica pela existência de trocentas bebidas açucaradas e gaseificadas similares.
E as marcas se atrelam valores sem os quais “não poderíamos estar no mundo civilizado”: sucesso, reconhecimento, beleza são alguns destes. E em pouco mais de 50 anos de venda de valor atrelados a marcas, o que compramos? Compramos a ideia de que precisamos ser únicos, que precisamos nos diferenciar e com tanto bombardeio, a única coisa que nos diferencia e nos identifica são os objetos que as marcas nos oferecem.
Nos cinco minutos deste vídeo abaixo, podemos ver o que eles – mídia e marcas – fizeram conosco.
Ora! Imagine o que eles podem fazer com as crianças, se eles que conseguirem nos induzir a pensar deste jeito – estou falando de nós: adultas dotadas de estruturas cognitivas para lidar com tanta manipulação – em pouco mais de 50 anos. Eles transformaram radicalmente nossa auto-estima e nossa auto-imagem, esta imagem vendida pelos meios de comunicação juntamento com as corporações continua afetando sobremaneira toda luta feminista por equidade, especialmente quando coloca a nossa integridade física em risco ao nos retratar como objetos.
Eles fizeram e fazem isso com adultos – homens e mulheres são afetados por esta conduta já banalizada. Agora imaginem o que estão fazendo e ainda podem fazer com as nossas crianças?
Quando vamos acordar e perceber que os nossos filhos são os próximos da fila? Quando vamos exigir que a sociedade intervenha na comunicação das grandes corporações e neste mercado de valores intangíveis que é o marketing? Apenas o poder de compra não é suficiente: estão todos se comunicando de maneira perniciosa para a nossa integridade física e mental e conduzindo seus negócios arriscando a sustentabilidade do planeta.
Não tem como defender a infância e defender uma publicidade descontrolada: são princípios opostos!
A publicidade PRECISA ser controlada por toda a sociedade e não por meia dúzia de empresários da comunicação e da indústria: o Conar não é suficiente para evitar as milhares de epidemias causadas por estas instituições! A regulação da publicidade dirigida para a criança precisa ter a participação da sociedade, e num país democrático isso significa passar pelo crivo (posterior, porque anterior é censura) do governo. O Estado – todos nós! – precisa ter amparo legal para obrigar que as corporações se comuniquem de maneira adequada com a sociedade e isso significa poder multar e punir quem exceda os limites.
Pergunto: você é a favor de que o Estado tenha a capacidade/possibilidade de multar empresas que abusam e assediam crianças? Você a favor que o Estado tenha o poder de suspender as campanhas publicitárias que arrisquem a integridade física e mental das crianças?
Se você responder “sim” a estas duas perguntas, significa que você é a favor de uma nova regulamentação da publicidade infantil no Brasil.
(*) Mariana é mãe de dois, publicitária e mestre em políticas públicas. É autora do blog materno viciados em colo e é cofundadora do Milc. Mariana faz regulação de publicidade em casa desde que a mais velha nasceu e acredita que um país sério deve priorizar a infância, o que – entre outras coisas – significa disciplinar o mercado em relação aos direitos das crianças. viciadosemcolo.com
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